A MORTE VIVE por Renato Brasileiro Júnior, Manoel Moacir Costa Macêdo e Gutemberg Armando Diniz Guerra

Redação, 06 de Agosto , 2021 - Atualizado em 06 de Agosto, 2021


A vida universitária no campus da Escola de Agronomia da Universidade Federal da Bahia - EAUFBA, nos anos setenta, guarda situações pitorescas e reveladoras de uma época retumbante do Brasil. Um monte de jovens universitários no interior, na cidade de Cruz das Almas no recôncavo baiano, região de relevância histórica, a exemplo da culinária, arte, música e política, pelos filhos bravos e ilustres de Cachoeira, São Félix e Santo Amaro da Purificação, entre outras.

Nessa época, ainda no Século XX, vivíamos os tempos sombrios da ditadura militar. A comunicação oficial ameaçava aos que se atrevessem à desobediência ao “Ame-o ou deixe-o”, contestado pelo tropicalismo de “É proibido proibir” e “Carcará pega, mata e come”. No caso do curso de engenharia agronômica, a prioridade pedagógica e curricular era “Exportar é o que importa”, revelando o tom da orientação política para a Agricultura.  

Centenas de jovens sonhadores e ávidos por mobilidade social, cidadania e liberdade, viviam num único ambiente de moradia, estudo, lazer e contestação. Emoções e frustações misturadas. Não haviam escapes. Todos estavam cercados no campus e na cidade, em torno de sessenta mil habitantes, marcada pela visibilidade dos estudantes da Escola de Agronomia. Éramos identificados pelas competências, defeitos e virtudes. Alguns mais experientes possuíam mecanismos de defesa, a exemplo dos exímios jogadores de futebol - Lapão e Repolho, os músicos - Ismar e Roberto Pitombo, e os amadores do teatro - Gutemberg e Itatelino. A maioria não possuía ou não manifestava tais habilidades e restava estudar e esperar o tempo passar rápido, indefesos das fúrias dos apelidos e assédios. Não existiam as tipificações dos atuais bullyings.

Os apelidos grudavam nos quatro anos universitários e substituíam as identidades pessoais, independentes de acolhidos ou rejeitados. Ninguém estava livre deles. Variava o grau de perversidade. Alguns perduram até hoje. Uns eram criativos e relacionados às características pessoais e à agronomia, outros aparentavam perseguições. Os inspirados na agricultura: “Repolho e Pimentão”. Os homofóbicos e racistas: “Querida e Nega Brechó”. Aqueles com características pessoais: “Lampião e Pedro Bó”. Personagens de revistas de quadrinhos como “Bufalo Bill e Cebolinha”. Havia os impronunciáveis que nos furtamos a enunciar. O apelido aqui ilustrado é a “Morte”. Ele escapa dessas classificações. Pura criatividade, quiçá mais uma de “Jega Loura”. João Carlos Oliveira, filho único e criado por vó, nunca tinha deixado o aconchego familiar. Ao chegar no campus em Cruz das Almas, trazia como recomendação os cuidados com a saúde frágil e, por zelo materno, conduzia uma mala carregada de remédios. Ao subir as escadas no recém chegado “alojamento Hospício”, a mala caiu, abriu e espalhou sobre as escadas os medicamentos. Os veteranos em espreita pela chegada de calouros e diante do moço franzino, óculos redondos ao modo de John Lenon, barba rala, pálido e inseguro, de pronto gritaram: “Chegou a Morte!”. O apelido pegou e jamais desgrudou.

João Carlos, colega discreto, estudioso e reservado, não demonstrava publicamente habilidades para a arte, música e futebol, embora fosse hábil no discreto e bem-comportado “pebolim ou totó”. Não participava da política estudantil, época de risco da repressão, que poderia inviabilizar a carreira e o futuro. No percurso profissional, a “Morte” se destacou como um profissional qualificado na Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira - CEPLAC, professor universitário na Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC e hábil articulador na política regional e estadual. Recentemente aflorou na gestão pública, como o credenciado e atual Secretário de Agricultura do Estado da Bahia. A produção agropecuária baiana destaca a Bahia no cenário agrícola nacional, a exemplo da produção de grãos no Oeste baiano. Uma amostra da aparente inexistência entre a performance estudantil e o desempenho profissional e político na vida profissional. A realidade é a universidade que mais aprova na vida.

Renato Brasileiro Júnior, Manoel Moacir Costa Macêdo e Gutemberg Armando Diniz Guerra são engenheiros agrônomos.

 

 


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