SEU OTÁVIO, O ÚLTIMO DOS PATRIARCAS DO BOM JARDIM

Por Jerônimo Peixoto

Jerônimo Peixoto, 16 de Maio , 2022 - Atualizado em 16 de Maio, 2022

SEU OTÁVIO, O ÚLTIMO DOS PATRIARCAS DO BOM JARDIM

No último dia 11, chegou-nos a notícia de que Seu Otávio do Bom Jardim, como era assaz conhecido, terminara o curso de sua existência terrestre. Partiu rumo à Casa Paterna, Pátria definitiva, tão ansiosamente aguardada por ele, que foi um devotíssimo filho do Coração Imaculado de Maria, Padroeiro de seu torrão natal. Foi uma longa e árdua trajetória, que deixou gravados, nos porões da história serrana, exatos 95 anos de muita honra e honestidade, de muita fé e de esperança, de um zelo imorredouro pelo Reino dos Céus. O Bom Jardim quedara-se inerte, à espreita de poder reverenciar um homem de bem que ali fez história, dando-lhe o último adeus.

A Sabedoria judaica acentuava bastante o valor do ancião, pois era ele o encarregado de ensinar os jovens, sobretudo após os 12 anos, quando passavam pelo rito de iniciação e poderiam tomar parte entre os que faziam a leitura da Torá (Lei), nas sinagogas e no Templo. Os Livros Sapienciais, como Eclesiástico, Sabedoria, Salmos, Eclesiastes e Provérbios, trazem verdadeiros elogios aos anciãos, por terem vivido bastante e se terem tornado sábios, experientes, capazes de dar testemunho aos jovens. Em nosso mundo ocidental, ao invés, o idoso se tornou sinônimo de peso, de fardo, e objeto de desrespeito. É o reflexo de nossa pobreza...

O Bom Jardim, ao contrário, tem histórico de uma comunidade que sabe cuidar de seus idosos, de os valorizar, pois está cônscia de que eles têm muito a nos dizer, mormente, no que diz respeito à vida, à família, à fé cristã e aos bons costumes. Seu Otávio foi o último dos anciãos longevos (95!) que fizeram história naquele recanto sacrossanto emoldurado pela serra. Ali ele foi Ministro da Eucaristia, Catequista, Zelador do Apostolado da Oração, Filho de Maria, uma autêntica referência aos mais jovens que o tinham na qualidade de pai espiritual. sera sempre chamado de "Seu Otávio".

A sua partida, preanunciada pelo peso da idade e da enfermidade, ainda causou espécie a alguns. É que viver as festas do Imaculado Coração, as rezas do mês de maio, a novena do Natal e as práticas devocionais da quaresma significa reviver bons momentos ao lado do velho patriarca que catequizou quase todos os ali nascidos ou criados. Mais do que um simples ser humano, ou um cidadão comum, Otávio era sinônimo de honradez, de fé, de esperança e de caridade. Tinha um conselho, uma palavra sábia, para cada pessoa, em cada situação.

De estatura baixa, olhar firme e sereno, com uma resposta sempre pronta, língua afiada, um sorriso entreaberto, seu Otávio era sinônimo do conservadorismo católico, mantendo-se tradicionalmente devoto, penitente, zeloso no cumprimento dos preceitos, ávido por ver sua prole e seus parentes, amigos e conhecidos imersos nos mesmos moldes. Era apaixonado pelas Sagradas Escrituras e um amante da Eucaristia. E tentou viver essas duas plataformas da Igreja, segundo a sua compreensão, de um modo mais rigoroso. Era intransigente, quando alguém desejava mudar algum costume herdado dos antigos...

Eu tive a alegria de o conhecer, quando, menino de uns cinco anos, acompanhava meu velho pai ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itabaiana, à rua São Paulo. Naquele recinto, presenciei, não poucas vezes, as muitas risadas de Seu Otávio, o maior tesoureiro que aquela agremiação susteve por longos anos. A Diretoria do Sindicato era sempre a mesma, mudando-se algumas funções, mas o velho e bom Tesoureiro, caprichoso, honesto, ético, e meio sisudo estava sempre ali, atrás do balcão para recolher o pagamento das mensalidades. Era eficiente e muito respeitado. Depois, na Paróquia Santo Antônio e Almas, via-o exercendo o múnus de Ministro Extraordinário da Comunhão Eucarística. 

Aos sábados e, por vezes, às quartas-feiras, um grupo de senhores se reunia para trocar pilhérias, no sindicato rual: Zé de Totonho de Joaquim, do Nicó; Seu Carrinho, do Taquaril (e Matapoã), Omero de Totonho de Bernardino, do Bastião; Antônio Borges, Presidente do Sindicato, Maxi, das Flechas; Mané Corró, da Terra Vermelha; Josino Cardoso, do Boqueirão, e meu Pai, Basto Peixoto, do Cajueiro. Ao se reunirem convidavam Otávio, e este, meio sem jeito, para não perder a amizade, acabava por ouvir anedotas do arco da velha. Tudo ali era esquadrinhado, sem que nada passasse desapercebido. As estórias eram escabrosas e arrancavam risadas prolongadas. Mas, se o assunto pendesse para religião, Otávio saía veementemente em defesa da Igreja, do Clero e das orações: - vocês acabem com isso... eu não vou nessa marcação, compreendeu? A resposta era ríspida e, por vezes, sofria tanto que se retirava. Logo em seguida, estava de volta, e em paz com seus amigos. E acabava soltando: - minha gente, vocês não são fáceis; pensem nas bobagens que falam e se convertam!

O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itabaiana deve muito ao velho e bom tesoureiro, pela presteza de seu serviço, pelo devotamento, pontualidade e compromisso assumido. Quantas vezes, vinha do Bom Jardim, a pé, para chegar ao local de trabalho, no exato momento acordado? Era um exímio profissional! Sempre dava um não por resposta aos que lhe pediam uma ou outra “trampicola” (desonestidade), mas era afável, generoso e dócil para com quem procedia dentro das normas estatutárias. Se há nomes fortes que fizeram o Sindicato crescer, o de Otávio Bispo de Jesus figura entre os principais. Otávio era modelo de profissional.

Como pai e esposo, um homem reto, cumpridor de seus deveres, afável, meigo, mas severo até dizer basta. Se alguém da família insinuasse alguma coisa que pudesse estar fora dos princípios eclesiásticos, ele se servia de uma autoridade ímpar. Evocava logo o Catecismo, os Mandamentos e os Sacramentos e, em seguida, desferia o golpe: - aqui você não fica, se insistir neste erro, compreendeu? Assim sendo, procure mudar! Não admitia certos assuntos nos momentos sagrados da refeição e não se punha à mesa, sem fazer suas preces que certamente recebera de seus ancestrais. Assim ele viveu, porque assim ele entendeu e, dessa maneira, tentou o tempo inteiro ensinar os outros.

O dia 11 do mês de Maria, mês que lhe era tão caro, marcou época à comunidade local e aos amigos de tantos lugares distintos. Era Otávio convidado solenemente a tomar assento do Banquete Eterno que o Senhor, bondoso e misericordioso, preparou para os que “alvejaram suas vestes do Sangue do Cordeiro”, conforme o Apocalipse (7,14), ou seja, os que resistiram às tentações de embarcar no mundo da arrogância, da usurpação, do mando e do desmando, preferindo Deus aos homens. Ele, que sempre fora devoto das orações do mês de Nossa Senhora, deixou-nos, exatamente na semana da família, para tomar parte na Familia dos Santos e Santas de Deus. Certamente, está no colo da Mãe do Céu!

Otávio, “servo bom e fiel, entra na alegria do teu senhor!” Como foste fiel no pouco, o Senhor te confiou, agora, a magnitude do Reino definitivo, onde as lágrimas se esvaem e a festa ininterrupta. O Bom Jardim, saudoso, reclama o teu “Deus in adiutorium meum intende – Domine ad adiuvandum me festina” (Vinde, ó Deus, em meu auxílio – socorrei, Senhor, sem demora!) tantas vezes proclamado em voz forte e límpida, no início das rezas de maio. O Coração Imaculado de Maria definitivamente se abriu e te acolheu para nele, eternamente, habitares. Descansa em Paz, patriarca do Bom Jardim! Tu estás no Céu, Otávio de Jesus!


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