RELIGIÃO SEM MÍDIA; MILITAR SEM PARTIDO.

JOSÉ DE ALMEIDA BISPO, 03 de Março , 2023 - Atualizado em 04 de Março, 2023

Padre Filismino e Antônio Conselheiro

O púlpito, nas igrejas foi outrora o único local permitido à demagogia, independente do seu uso: literal e original; ou no atual sentido baixo da palavra.
Único!
Em 22 de dezembro de 1768, foi preso um preto leigo no interior de Sergipe por estar fazendo pregações ao povo, ato em desuso à época pela Igreja Católica, salvo em Missões, e por um padre; não um leigo(*).
Casos se multiplicam pela História, mas dentre nós o mais notório e dramático foi o de Antônio Vicente Mendes Maciel, o Antônio Conselheiro.
Como outro revolucionário religioso redentorista, do outro lado mundo – na China – de 20 anos antes, Hong Xiuquan, mesmo sem o apelativo do chinês, morto de exaustão e doenças pelo cerco, Conselheiro também morreu em idênticas condições, antes da derrocada final do Arraial de Canudos; e o arrasamento do mesmo pelas descomunais forças do Exército brasileiro, arrancando de Euclides da Cunha, testemunha ocular, a observação que:

“Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados.” (CUNHA, Euclides da. Os Sertões. Capítulo VI – O fim)

Os dois, acima, por pregar ao relento, sem controle do clero, não licenciados para tal; porém, mesmo padre, e usando o púlpito, o Padre Felismino da Costa Fontes, nascido em Itabaiana, em 1848, e denominando uma rua tradicional da cidade. Por exorbitar de suas funções, ou seja, seu discurso, mesmo do púlpito ultrapassar o razoável para a superioridade hierárquica, acabou afastado e internado, em realidade como louco em Salvador, no hospício Asilo São João de Deus onde veio a falecer em 1892, aos 44 anos. Com suspeitas de intrigas e tudo o mais que para elas concorrem, claro(**).
E por que esse controle?
Porque a palavra é muito perigosa, especialmente quando ardilosamente bem dirigida a mentes receptivas. Nem os reis - ou seus correspondentes - devem ter acesso direto às multidões, por ela, em tempo integral.
Um pastor, um padre ou qualquer outro condutor religioso tem sob sua influência uma legião, que vai de uma ou duas dezenas de pessoas, até dezenas de milhares. Com um microfone e uma emissora, isso pode chegar a dezenas de milhões; e, depois da conquista do celular e da internet, às centenas de milhões. É onipotência explícita para quem é movido por neurônios que podem entrar em curto-circuito a qualquer momento.
Um líder militar, segue o mesmo caminho do religioso, com um agravante: a capacidade de comando de uma tropa, por natureza disciplinada e com poder imediato de morte sobre os possíveis contrários. E esse líder pode não necessariamente ser o comandante natural de um regimento ou algo que o valha; como ora vemos no caso do Brasil: um baixa patente, indisciplinado e por isso rebaixado, suspeito de estar metido até o pescoço em situações morais e legalmente trevosas, politiqueiro padrão, de repente virou o comandante de generais que tudo fazem para o manter no topo. Parece surreal; mas pior - até agora - já existiu em Roma pós-Augusto. Logo...
Tudo isso resultante dos milhares de emissoras de rádio e TV distribuídos à religião; e agora com o total descontrole da mensagem propiciando pela internet, onde de repente a politicagem invadiu também os quartéis.
As campanhas políticas mais assertivas, eleitorais diretas ou não, não mais estão sendo feitas pelos políticos, em sua maioria, ou mesmo partidos, independentemente de suas atividades principais - comerciantes, sindicalistas, industriais, fazendeiros... - mas por padres, pastores, líderes religiosos em geral e policiais, militares inclusive. “Time montado”, no jargão dos peladeiros de várzea.
O político tradicional, salvo raríssimas exceções é paciente, cuidadoso, negociador em extremo... a ponto de viver na linha tênue que separa o legal do ilegal, ou moral do imoral; já aventureiros recentes, em geral são "resolvedores", decididos, ousados e ilimitados. Usam o sistema de retentores sociais, como a Lei, a Justiça e os bons costumes, mais como gambiarras para rapidamente galgar os postos mais altos; contudo, suportados por considerável força coesa, seja de fiéis ou companheiros de farda, forçam a barra o tempo inteiro para fazer tudo aquilo que condenam. Com mais gana do que os "corruptos" e "pecadores" do restante da sociedade.
Quem assim não o faz por dolo, faz por culpa. Por ser inocente ou "vaca fardada" - no dizer de notório e histórico general de 1964 - servindo de escada; levando a culpa, enquanto os espertos levam a grana.
Há ainda esperança de que não ocorra ao Brasil e ao Ocidente, em geral, a repetição do que houve em Roma, com consequente fim de um virtuoso ciclo de progresso da civilização no século IV.

(*) CARTA do Arcebispo eleito D. Manuel de Santa Ignez para Francisco X. de Mendonça relativo á prisão de um preto leigo, que com grande successo, andava pregando na Comarca de Sergipe d'Elrei. Bahia, 22 de dezembro de 1768. 7693 (Anais BN-Rio, vol. 32, p.206, Rio de Janeiro, 1910)

(**) Almeida, J. H. de. (2013). UM PADRE À MARGEM DA HISTÓRIA: A TRAJETÓRIA DO PADRE FELISMINO DA COSTA FONTES. Revista Fórum Identidades. Recuperado de:
https://seer.ufs.br/index.php/forumidentidades/article/view/1737


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