Sobre aguentar ser mulher

Redação, 08 de Março , 2023

Miza Tâmara*

Sempre somos nós, do café da manhã à janta. Estava a trinta metros de casa, depois de deixar minha filha na escola, sol quente, e num ato quase que extintivo comecei a desabotoar a blusa para tirá-la por causa do calor, aí lembrei: Sou mulher, não posso! Qualquer cara, ali, a trinta metros de casa, num baita calorão, tiraria a camisa tranquilamente. E ainda que pensem, esta mulher é doida? Eu estava com um top por baixo da blusa, não ficaria desnuda. Ainda assim: Não posso!

Mas vamos lá ao que podemos, do café da manhã à janta, nós podemos tudo. Nós podemos parir, cuidar, gerir o lar. Para além disso, acredite, você, mulher, encontrará fortes movimentos de resistência. Para adquirir um pouquinho de respeito social é preciso trabalhar, e aqui me refiro ao remunerado, fora de casa, pagando suas próprias contas você pode se dar ao luxo de frequentar alguns espaços. Mas olha, expor ou defender opinião, ahh minha filha, aí já quer demais! Você pode até estar na reunião, a tal da representatividade feminina! Mas falar... Rum! Se atreva e pague algum preço, já paguei alguns.

Do mesmo jeito que falam do racismo estrutural, acredito que o machismo também tem seu lugar nas bases que “edificam” a nossa sociedade, até nós mesmas, somos machistas num grau... Desde o ventre materno aprendemos como devemos nos portar, não é atoa que lá, desde a primeira ultrassom, já estamos com as perninhas cruzadas escondendo nosso sexo. É como se o elo que nos liga a nossa mãe, já ali, intuitivamente, nos conduzisse a evitar o erro. Somos acusadas de causadoras ou apreciadoras de nossos próprios estupros (tá lubrificada, né?) que dirá do resto...

E quanto se é mulher e preta? Eleve o tranco da luta a escalas estratosféricas. Sem pestanejar digo que se eu fosse branca, no nível de esforços que dispenso todos os dias, já estaria em um patamar profissional e social mais  grandioso. Tudo é mais permissivo e perdoável a uma mulher branca. À mulher preta não é tolerável nem a brecha do descanso das vaidades. Quer ser vista como desleixada? Tu não pode, preta! Precisa estar sempre bem arrumada para poder entrar no hall.

Para além disso, e para finalizar, lhe digo, homem, que sem nós você jamais chegaria onde está, fizemos e fazemos demasiadamente por você, nos anulamos muito, o tempo todo, valorize isso! Você não suportaria uma semana sem estar à nossa sombra e menos que isso se estivesse debaixo da nossa própria pele. 

*É jornalista, roteirista, locutora e mãe.


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