O Alzheimer social. (por Antonio Samarone)

Redação, 11 de Junho , 2023


 

Ninguém sabe onde a velhice o leva!

Após a aposentadoria, como chefe de gabinete parlamentar, solteiro, morando só, numa casa de Cohab no subúrbio do Aracaju, Rosivaldo (76 anos), optou pelo isolamento. A família e os amigos, naturalmente indiferentes, nem perceberam.

Rosivaldo optou pela absoluta indiferença social. Chegaram a comentar que ele apresentava sinais de Alzheimer, onde, era apenas uma mudança voluntária de comportamento.

O isolamento aprofunda a solidão. Sempre calado, nos poucos lugares que ainda frequentava. O silencio é um recurso eficaz, evita aborrecimentos.

Rosivaldo, que viveu na mais profunda rotina. Sem sonhos, ambições, ilusões, projetos, metas ou missões. Um personagem alheio ao narcisismo. Ele não aspirava a felicidade dos eleitos. Nada desejava: praticava um forma primária de budismo.

Rosivaldo não via mais graça na vida, estava enfadado, mas não queria morrer. Tinha medo. Como dizia Baudelaire: “medo de um grande buraco negro, levando-nos para as frias profundezas cósmicas.” Onde vaga-se ao Léu, sem ponto de chegada ou de descanso.

O inferno de “Dantes” é quase um céu.

Quando finda a gravidade e a matéria, os espíritos rodopiam em alta velocidade. A consciência nas trevas, perde a memória e a esperança. Rosivaldo temia a morte, mesmo levando uma vida virtual.

Chega-se ao ponto que não se quer mais prolongar a vida e nem morrer, o jeito é conceder-se férias e afastar-se da vida. Ao invés de morrer, se desaparece.

A morte de Rosivaldo, a semana passada, foi mera formalidade. Durante o longo internamento, as notícias sempre vinham acompanhadas do “não tem mais jeito”. Ele foi desenganado pelos amigos, bem antes do tempo.

Rosivaldo já estava morto, faltava-lhe apenas o sepultamento. E assim foi feito. Os amigos, fizeram do velório uma forma de reencontro dos que ainda permanecem vivos. Muitos, apenas olharam o caixão aberto, sem a tampa, só para confirmar se o cadáver era mesmo o dele. Sem o menor sinal de sentimento.

Em volta do morto, um senhor pregava em voz alta, passagens soltas do evangelho. Não conseguir identificar de quem se tratava, não parecia ser membro de nenhuma Congregação religiosa. Soube, que era um frequentador habitual daquele espaço, onde rezava, gratuitamente, por qualquer defunto. Sempre levando um consolo aos que ficavam: a vida não acabava ali.

Alguns fingiam que acreditavam e outros acreditavam mesmo. Aliás, não se perde nada acreditando.

Nas rodas dos conhecidos que infestaram o velório, se falava de tudo, menos do morto. Muito menos da morte. E assim, mesmo a contragosto, a minha geração vai passando dessa para uma melhor.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)


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