Culinária africana é redescoberta e estudada em universidades

Redação, 14 de Janeiro , 2024

Os movimentos de defesa e reafirmação da cultura negra e africana, liderados principalmente por militantes e organizações antirracistas, vem fomentando um grande e crescente interesse do grande público em conhecer ou redescobrir sobre vários aspectos históricos, políticos e culturais que envolvem os países do continente. Um deles é a culinária, que já tem influências marcantes e muito presentes na culinária brasileira, mas ainda é pouco conhecida do grande público. 

Esse interesse vem sendo despertado inclusive nas faculdades e universidades. No último mês de outubro, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) anunciou a criação de uma disciplina eletiva chamada “Culinária Africana”, em seu curso de graduação em Gastronomia. Criada a partir de um curso de extensão, o “Pretonomia”, ela foi oferecida a alunos negros da instituição e a moradores pretos e pardos da periferia do Rio de Janeiro, contando com aulas teóricas e práticas. Segundo reportagem da Agência Brasil, a próxima edição do curso acontece em maio e a UFRJ estuda incluir essa disciplina como obrigatória na próxima reforma curricular. 

A culinária africana também se faz presente em outras instituições de ensino, a exemplo da Universidade Tiradentes (Unit). Em seu curso de Gastronomia, existente há 13 anos, ela faz parte de uma disciplina voltada ao estudo, pesquisa e exploração da cozinha internacional geral, oriunda de continentes como África, Ásia e América Latina. Em aulas específicas, tanto teóricas quanto práticas, alunos e professores se debruçam sobre insumos e receitas mais comuns em regiões como a África do Norte (de países como Marrocos, Egito e Argélia), a África Central (de nações como Congo, Gabão, Camarões e Nigéria) e a África Austral (que engloba Angola, Moçambique, Zâmbia e África do Sul). 

O estudo sobre a culinária africana acaba se estendendo para outras disciplinas, voltadas às culinárias brasileira e regional nordestina. Estas receberam uma grande influência dos negros escravizados trazidos ao país e também das religiões afro-brasileiras (umbanda e candomblé), que introduziram pratos e insumos como o acarajé, o vatapá e o abará. Segundo a professora Isabelle de Andrade Brito, do curso de Gastronomia da Unit, o conteúdo também é aprofundado em disciplinas de Pesquisa e de Projetos de Extensão, nas quais os alunos são estimulados e se aprofundar nestas culturas, produzindo artigos e exposições para as Semanas de Pesquisa e Extensão (Sempex), realizadas anualmente. 

Novos olhares

Isabelle Brito explica que o interesse crescente do público pela comida africana e por outras culinárias menos exploradas segue uma tendência que busca romper com o domínio absoluto da cultura europeia, que por muito tempo valorizou a chamada “culinária clássica’, vinda de países como Itália, França, Espanha e Portugal. Para ela, essa valorização está muito ligada ao processo de colonização europeia entre os séculos 16 e 19, e às questões sociais e antropológicas entre dominantes e dominados. 

“Muitas vezes, a história passa a ter um olhar internacional. A depender de como seja conduzida essa história, ela terá uma visão europeia, com os conceitos e com toda a história de forma mais marcante. E agora a gente já percebe uma série de países em busca da sua própria história, relatando a sua cultura, o seu patrimônio, e a comida como patrimônio cultural”, diz ela, ressaltando que, durante longos e longos anos, o continente africano era visto como um continente de população ou condição inferiorizada. 

“Talvez só se trazia a culinária africana associada ao uso do dendê, por exemplo. Porque para nós aqui, foi um dos contribuintes muito grandes para a nossa alimentação. O dendê, a banana, o quiabo, o coco, foram ingredientes trazidos para o Brasil pela influência dos africanos. Mas hoje a África tem um novo olhar para esse continente, a exemplo da África do Sul, com uma outra forma de se ver o continente africano”, acrescenta a professora.  

Um exemplo deste novo olhar é o Bobotie, considerado o prato nacional da África do Sul e um dos preferidos do líder e ex-presidente Nelson Mandela (1918-2013). É uma mistura de frutas secas, especiarias, carne de cordeiro, pão e ovo. “De forma convencional a gente não conhece, não imagina que é uma comida africana, talvez pela ausência forte do dendê nessa comida. E isso desmistifica justamente a ideia que tudo que é comida africana tem que ser à base de dendê”, detalha Isabelle. 

Outro exemplo, que atrai o público pela promessa de uma experiência mais autêntica e próxima do tradicional, está na chamada comida de quilombo, desenvolvida por comunidades de africanos e descendentes que fugiam de fazendas e engenhos onde eram escravizados no Brasil. Em regiões como a Serra da Barriga, em Alagoas, onde existiu o Quilombo dos Palmares, o patrimônio cultural e gastronômico é preservado através das comunidades e de restaurantes que oferecem pratos como acarajés, galinhadas e outros à base de carne, verduras e legumes, com temperos tradicionalmente usados pelos quilombolas.


Asscom Unit


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