*Por Marcolino Joe
Nas últimas semanas, aqui em Aracaju, acionaram o Ministério Público contra a prefeita Emília Corrêa, por aparecer em conteúdos com viés publicitário, recebendo mimos. Para além da questão legal ou moral me interessa a comunicacional. Na política, percepção é estrutura. Não é sobre a postagem em si, mas sobre o descompasso entre o papel que se exerce e o lugar simbólico que se ocupa. Existe um limite tênue entre ser comunicativo e parecer performático. E nesse ponto, muita gente boa tem escorregado.
Vivemos um tempo em que a comunicação política sofre de uma crise de identidade. Não é falta de ferramenta, afinal, nunca tivemos tantas. É falta de fundamento. Enquanto a política exige estratégia, coerência, previsibilidade e profissionalismo, o digital recompensa velocidade, estética emocional e estímulo constante. A engrenagem não fecha. O algoritmo não tem paciência para o processo. E a política não sobrevive sem ele.
O resultado é um paradoxo: gestores que se comunicam como influencers, mas governam sem protocolo. Fazem reels bem editados, mas não têm plano de contingência em caso de crise. Respondem nos comentários, mas ignoram a imprensa. Estão sempre online, mas institucionalmente opacos.
O exemplo da prefeita (e do governador também, frise-se) não é exceção: é sintoma. Não importa se foi intencional ou não. O que importa é que, na ausência de uma arquitetura de comunicação profissional, cada story vira uma ruína em potencial. Porque o que parece leveza pode soar como descuido. O que parece proximidade pode se transformar em exposição excessiva. E o que deveria ser presença se dissolve em performance.
Muitos mandatos hoje têm equipes de conteúdo, mas não têm estratégia de comunicação. Têm cronograma de posts, mas não têm narrativa. Sabem editar vídeo, mas não sabem construir reputação. Preferem contar os likes do dia do que medir o impacto de médio prazo. E aqui está o ponto central: likes não sustentam legitimidade. Podem inflar o ego, podem dar buzz, podem até garantir uma impressão de sucesso, mas não blindam contra a cobrança pública. Ao contrário, intensificam.
Porque se o político se comunica como influencer, o público passa a cobrar como se fosse. E há uma diferença cruel aí: o cancelamento de um influencer é um baque de imagem. O de um político é um problema de governo.
A linguagem do entretenimento, usada como principal estratégia institucional, está se desgastando. Não porque a ferramenta perdeu força, mas porque o público já entendeu o truque. A encenação se repete. A estética se repete. A fórmula se repete. E quando tudo se repete, cansa. E quando cansa, perde valor.
Estamos entrando numa nova era, onde a comunicação política precisa reaprender a ser profissional. E ser profissional não é ser chato, nem robótico. É saber quando aparecer e quando se recolher. É ter método, ter protocolo, ter propósito. É entender que comunicação pública não é palco: é serviço. E que nem todo vídeo precisa viralizar. Alguns precisam apenas funcionar. E resistir.
Porque no fim das contas, prefeito bom não precisa dublar áudio. Precisa se fazer entender. Secretário bom não precisa gravar vídeo com filtro. Precisa comunicar com clareza. E uma equipe boa não faz barulho. Faz comunicação que não se desmonta no primeiro vento.
Na política, o que não é estratégico é frágil. E o que se comunica sem pensar, quase sempre precisa ser explicado depois. E você sabe: explicação demais é sempre um sinal de erro de origem.
*Marcolino Joe é cineasta, estrategista e comunicador.