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O MP e as licenças ambientais: limites, deveres e responsabilidades do administrador

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*Por José Joaquim de Oliveira Neto

Antes de adentrar no tema específico deste artigo, é importante salientar que ele não busca criticar o uso das recomendações dadas pelo Ministério Público, mas sim questionar a forma como algumas delas são implementadas no âmbito dos processos administrativos ambientais, a fim de garantir equilíbrio entre a fiscalização ambiental e o respeito aos princípios da segurança jurídica, da legalidade e do contraditório.

A concessão de licenças ambientais é um ato administrativo complexo, resultante de um procedimento técnico e multidisciplinar, que visa determinar a viabilidade ambiental de determinada atividade ou empreendimento. No entanto, há situações em que o Ministério Público, no exercício de sua função institucional de fiscalização, expede recomendações aos órgãos ambientais para que suspendam licenças previamente concedidas sob a alegação de possíveis irregularidades ou ilegalidades no processo de licenciamento.

A simples expedição de uma recomendação ministerial não pode, por si só, ensejar a suspensão automática da licença ambiental, pois tal medida exige análise técnica criteriosa e fundamentada por parte do órgão ambiental competente. A recomendação é um instrumento legítimo e previsto na Lei Complementar nº 75/1993, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, possuindo natureza opinativa e orientadora. Não se trata de um ato vinculativo, mas sim de uma manifestação de entendimento do órgão ministerial acerca de determinada matéria, sem imposição obrigatória ao destinatário.

O professor Édis Milaré há muito alerta para a não obrigatoriedade da recomendação, a exemplo das orientações que fornece na obra revisada, atualizada e editada ‘Direito do ambiente’, de 2018, mais especificamente na página 606, quando escreveu que não é da índole do MP o papel – que alguns insistem em conferir-lhe, de técnica extraprocessual mandamental, de cunho impositivo ou intimidatório contra o administrador público.

“Coberto pela atuação discricionária, muitas vezes avisado “sutilmente” que o não atendimento do dito sentencioso do recomendante poderá redundar na instauração de ação por ato de improbidade administrativa, ação penal por crime ambiental, p. ex., e outras ações cabíveis. Tal postura, à evidência, só faz comprometer a própria autoridade do Ministério Público: achar que, em nome do interesse público, podem seus integrantes, sem voto e sem mandato, comandar a máquina governamental, na suposição de que o Estado nada pode fazer sem sua prévia bênção”, escreveu o autor.

Ainda que a recomendação seja um instrumento importante para o controle da legalidade dos atos administrativos, sua utilização não pode ter efeito coercitivo ou intimidatório sobre o gestor público e seus servidores. Não deve gerar efeito de temor, levando administradores a acatarem tais recomendações sem a devida análise crítica.

O administrador público, ao receber uma recomendação do MP, possui margem para ponderar sua pertinência, não estando compelido a acatá-la de forma automática. Caso opte por segui-la, deve fazê-la com a devida fundamentação técnica, demonstrando a existência de elementos concretos que justifiquem a adoção da medida, pois o licenciamento ambiental é um processo administrativo estruturado, no qual são analisados diversos aspectos técnicos antes da concessão da licença, e a suspensão após recomendação do MP deve ocorrer depois de juízo de análise e emissão de parecer técnico fundamentado.

A cessação sumária e sem critério técnico compromete a segurança jurídica e demonstra a falta de confiança do gestor público no corpo técnico que comanda, implicando o reconhecimento de uma possível falha do próprio órgão ambiental, que previamente avaliou a viabilidade do empreendimento e concedeu a licença. Dessa forma, a mera existência de indícios de irregularidade não justifica a suspensão da licença sem um mínimo de comprovação e, sobretudo, sem garantir o direito de defesa ao particular envolvido.

Nos processos de licenciamento ambiental, a insegurança gerada pelos órgãos de controle, como o MP, pode inibir a atuação eficiente dos responsáveis pela gestão ambiental. Esse cenário, por exemplo, pode levar à demora na emissão das licenças, com os processos ficando paralisados por meses em razão do medo de decidir, o que impacta diretamente o desenvolvimento socioeconômico da região onde o empreendimento está situado.

A eventual suspensão indiscriminada de licenças ambientais e sem a devida ponderação dos prejuízos causados, pode comprometer não apenas a infraestrutura essencial da região, mas também o bem-estar social e econômico de milhares de cidadãos. O princípio da proporcionalidade exige que o administrador público avalie se a medida adotada é necessária, adequada e razoável, evitando prejuízos desproporcionais à coletividade, e a possível configuração de violação de princípios constitucionais basilares, como o da legalidade e devido processo legal, caso não seja dado direito de manifestação do particular.

*José Joaquim de Oliveira Neto é advogado, especialista em Direito Público.

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