Alok Achkar Peres Petrillo espantou Itabaiana, com o seu show digital de luzes, sons e pouca melodia. Colocou a cidade no circuito mundial.
Foram duzentos drones, movidos pela inteligência artificial, entupindo a plateia com estímulos luminosos vibrantes, com cores fortes, fumaças virtuais e imagens aleatórias.
Ao mesmo tempo, o artista manipulou equipamentos quânticos, que fragmentaram músicas, produzindo sons ritmados, acima de 800 decibéis.
Os drones têm parte com o cão, desenham no firmamento escuro, lagartixas, tatus, antas e saruês. Quem opera o sistema é um descendente de japonês, o que causou uma grande impressão em Itabaiana. “Só podia ser coisa de japonês”, dizia a plateia encantada.
Lembro-me da chegada do rádio de pilha em Itabaiana: um sharp japonês, com uma bela capa de couro. No Beco Novo, Dedé de Olga foi o primeiro a possuir essa maravilha tecnológica.
A admiração pela tecnologia japonesa é antiga em Itabaiana.
Os estímulos luminosos e sonoros destina-se a um público que busca emoções sensitivas, longe da cognição e dos sentimentos. A plateia, armada com os seus celulares, ávida de interações, piscam freneticamente as lanternas dos seus iPhones.
Itabaiana é uma terra de músicos, de grandes maestros. A sua principal Filarmônica está completando 280 anos.
Entretanto, o show de Alok não é musical, disse-me o neto do maestro Antonio Silva. Não se dirige aos afetos, aos sentimentos, não busca o coração. São estímulos sonoros e luminosos destinados aos instintos.
O momento emocional foi quando dos drones projetaram no firmamento o escudo do Tricolor da Serra e a imagem de um caminhão, com a roda em movimento. O time do Itabaiana, como diz o hino, é a cidade. Trata-se de um pertencimento, bateu fundo na alma. E o caminhão em Itabaiana é um ícone.
O show não visa gerar emoções profundas, analógicas, sentimentos, não propõe atingir a alma. O show é digital, visa as emoções instintuais, imediatas, destina-se a flor da pele. As principais reações são pular, gritar, chorar e sacudir os braços.
Em certo momento, Itabaiana foi Itabaiana, e a plateia gritou coletivamente: fiudocanso!
Nenhuma novidade. Estudos recentes, publicados na revista Science, mostram que está havendo uma retração da Córtex cerebral, após a invenção da internet. A córtex, é a parte do cérebro que pensa. Como se sabe, a natureza é analógica, o cérebro é analógico. Estamos mentalmente retrocedendo, com a chegada da inteligência artificial.
Na década de 1970, antes da Era digital, ocorreu em Itabaiana, no cinema do Padre, um show de Teixeirinha e Mary Terezinha. Um show analógico, destinado aos sentimentos simples. O principal sucesso do cantor gaúcho era “Coração de Luto”.
A música contava uma história trágica e simplória. Uma criança, com nove anos, voltava da escola. De longe ele avistou a sua casa pegando fogo. Quando chegou, a mãe tinha morrido queimada. Eu passei dias impressionado com a morte da mãe Teixeirinha, que passou a ter um coração de luto. Eu sonhava com uma mãe pegando fogo. Um pesadelo!
Entre Teixeirinha e Alok a mudança foi grande. Começa por quem pagou a conta: para ouvir Teixeirinha eu paguei os olhos da cara; Alok foi pago pelo erário.
Eu sei que os musicalmente educados, que se emocionam com a nona sinfonia, com Bach, Mozart e Villa-Lobos, acharam essa comparação de Alok com Teixeirinha sem sentido, é comparar o sujo com o mal lavado. Contudo, entre o digital e o analógico, eu vou morrer analógico.
Ocorre, que não me lembrei de nenhum show de Beethowen em Itabaiana.
Li recentemente que a gente sente que envelheceu, quando descobre que o Papa é mais novo ou quando ainda se lembra do show de Teixeirinha.
Antonio Samarone – Secretário Municipal de Cultura.