A expansão das contratações por meio de CNPJ preocupa autoridades e especialistas por enfraquecer a seguridade social e reduzir a arrecadação tributária
Nos últimos tempos, tem sido cada vez mais frequente o cenário em que trabalhadores deixam o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para atuarem como pessoa jurídica. À primeira vista, esse modelo pode parecer vantajoso: maior rendimento líquido e menos entraves burocráticos. Porém, por trás dessa aparente liberdade, esconde-se uma prática que levanta alertas. A pejotização, quando empresas contratam profissionais como prestadores de serviço em vez de funcionários, tem avançado de forma expressiva no Brasil.
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que, entre 2015 e 2023, houve um aumento de 178% no número de profissionais autônomos com CNPJ, totalizando 5,5 milhões. Ao mesmo tempo, observa-se uma desaceleração na geração de empregos formais e uma redução na proteção dos direitos trabalhistas.
O que caracteriza a pejotização e por que ela está em expansão?
Segundo o economista e docente da Universidade Tiradentes (Unit), Josenito Oliveira, a pejotização ocorre quando uma empresa exige que o trabalhador constitua uma empresa (normalmente no formato MEI ou LTDA) para prestar serviços, mesmo que a relação tenha todos os elementos típicos de um contrato de trabalho tradicional. “É uma forma encontrada pelas empresas para diminuir os custos operacionais, evitando encargos trabalhistas e contribuições previdenciárias exigidas pela CLT. No curto prazo, isso pode parecer benéfico para o trabalhador, mas ele abre mão de direitos como férias remuneradas, 13º salário, FGTS e estabilidade”, afirma.
Reflexos na arrecadação e nos serviços públicos
A preferência pelo modelo de contratação como pessoa jurídica também impacta negativamente as finanças públicas. O Ministério da Fazenda já sinalizou que essa prática tem efeitos “danosos” sobre a arrecadação, principalmente no que diz respeito à previdência. Josenito destaca que o impacto é direto. “Como esses contratos praticamente eliminam ou reduzem muito a contribuição sobre a folha salarial, a sustentabilidade da seguridade social é comprometida. Isso significa menos dinheiro disponível para áreas como saúde, assistência e aposentadorias”, destaca.
A disparidade entre os regimes é significativa. Um empregado registrado que recebe R$ 6 mil líquidos pode custar à empresa mais de R$ 8 mil, considerando os encargos. Já um profissional PJ que fatura o mesmo valor paga entre R$ 600 e R$ 900 em tributos, dependendo do regime tributário, mantendo mais dinheiro em mãos, mas sem garantias trabalhistas. “Essa diferença reduz a base de arrecadação do governo e enfraquece o sistema público de proteção social”, acrescenta o professor.
Áreas mais impactadas pela pejotização
O fenômeno da pejotização não se distribui igualmente por todos os setores da economia. “As áreas mais propensas a esse tipo de vínculo são aquelas que exigem mão de obra altamente qualificada, como Tecnologia da Informação, Comunicação, Saúde, Cultura e Consultoria. Nesses segmentos, o custo para manter um funcionário formal é mais elevado, e as empresas procuram saídas para reduzir despesas e se manter competitivas”, observa Josenito.
Efeitos econômicos e sociais
Além dos prejuízos à arrecadação e à perda de direitos, a pejotização também gera distorções no mercado de trabalho. Entre os principais efeitos estão a precarização das condições de trabalho, a redução dos salários, o aumento da desigualdade entre profissionais, o enfraquecimento dos sindicatos e a perda de valorização da profissão. “No longo prazo, esse cenário enfraquece os laços sociais, gerando instabilidade e insegurança. O trabalhador PJ, por exemplo, não tem garantias em caso de demissão, contribui menos para a previdência e muitas vezes não se prepara adequadamente para o futuro”, alerta o economista.
Existe um caminho para reverter esse cenário?
Josenito argumenta que enfrentar os efeitos negativos da pejotização não significa reprimir o empreendedorismo ou inviabilizar novos formatos de trabalho, mas sim ajustar as desigualdades que prejudicam tanto os trabalhadores quanto o desenvolvimento do país. “É possível unir flexibilidade e proteção social. Para isso, seria necessário repensar a carga de tributos sobre a folha salarial, reforçar a fiscalização para coibir irregularidades e reformular os regimes do Simples Nacional e do MEI, limitando seu uso às atividades verdadeiramente autônomas e diversificadas”, sugere.
E quanto à reforma tributária?
Embora a reforma tributária em discussão não trate diretamente da pejotização, ela pode afetar indiretamente essa prática. “Os efeitos vão depender da forma como as novas regras forem colocadas em prática e da reação dos diversos agentes econômicos. Existe a possibilidade de se alcançar maior equilíbrio entre os modelos de contratação, mas isso ainda é incerto”, avalia Josenito.
Enquanto isso, aumenta o número de profissionais que trocam estabilidade por flexibilidade, e o Estado sente os impactos de um modelo que reduz sua capacidade de arrecadação. “A pejotização, apesar de se apresentar como sinal de modernidade, pode estar disfarçando uma informalidade camuflada de inovação – e, no fim, quem arca com os prejuízos é toda a sociedade”, finaliza.
Fonte: Asscom Unit