Proibição de celulares em escolas tenta reduzir dependência de telas em crianças

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Estudos mostram que uso excessivo de telas causa impactos na saúde mental e na capacidade criativa do público infantil, mas especialistas apontam que o controle mais eficaz e educativo deve vir dos próprios pais

A proibição de celulares em escolas públicas e particulares de todo o Brasil já está prevista em uma lei federal, que foi aprovada no mês passado pelo Congresso Nacional e sancionada nesta segunda-feira, 13, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os telefones, tablets, smartphones e outros aparelhos do tipo não poderão mais ser usados em aulas, recreios e atividades extracurriculares. A exceção da regra fica para os casos de saúde ou emergências. A previsão é de que a nova lei seja regulamentada em até 30 dias, mas entre em vigor já no início deste ano letivo de 2025. 

A nova lei é uma das respostas mais significativas do poder público para uma demanda cada vez mais presente nas escolas: o uso excessivo de telas por crianças e adolescentes. Este comportamento, que já vinha se arraigando na sociedade desde a pandemia da Covid-19, é apontado por diversas pesquisas científicas e especialistas em saúde como o primeiro e principal responsável pelo aumento dos casos de doenças e transtornos de saúde mental entre o público infantil. 

Uma delas, divulgada no ano passado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com base na revisão de 142 artigos científicos, mostrou que 72% dos estudos relacionados a crianças constataram aumento da depressão associada ao abuso da exposição a telas neste grupo. Os mesmos estudos apontam ainda a ocorrência de problemas como transtorno de déficit de atenção, hiperatividade e diminuição do quociente de inteligência (QI), além do desenvolvimento precoce de doenças crônicas associadas à obesidade. A tudo isso, acrescenta-se o distúrbio de uso abusivo de tecnologias, tipificado pela Classificação Internacional de Doenças (CID). 

“A recomendação é que essas crianças possam utilizar de duas a quatro horas por dia no máximo de tecnologias, mas isso está aumentando muito. A consequência disso é uma maior irritabilidade, menor tolerância e frustração, dificuldade de socialização, entre outras coisas. E isso atrapalha muito a rotina porque o celular acaba ocupando muito tempo da pessoa, que deixa de lado outras atividades, principalmente as de convivência”, alerta Catiele Reis, professora do curso de Psicologia da Universidade Tiradentes (Unit) e especializada em Psicologia da Infância. 

Ela aponta três fatores principais que podem explicar o uso excessivo de telas e tecnologias pelas crianças. Uma delas é a própria pandemia, que criou uma grande quantidade de situações para o livre acesso e uso dos celulares pelas crianças. Outra é o que Catiele chama de “terceirização do cuidado”, na qual os pais saem para trabalhar ou cumprir outras tarefas, deixando os filhos muito tempo no celular para suprir uma falta. “Talvez o terceiro motivo seja a demanda excessiva de vários lugares querendo trazer a tecnologia, a exemplo das escolas, entre outros lugares. Estar fora da tecnologia muitas vezes é deixar a criança de lado, e daí surge todo um mercado tecnológico por conta disso”, acrescenta ela.

E esta demanda, aplicada às práticas pedagógicas modernas acaba criando ressalvas quanto à real eficácia da nova lei contra o uso de celulares em escolas. “A proibição seria um caminho se as escolas não usassem a tecnologia como ferramenta de ensino. A criança passa um grande tempo sem uso, mas as próprias escolas têm aplicativos, têm aulas com tablet e outras ferramentas que exigem o uso de tecnologias. Então, será que está sendo um caminho ou está mascarando o problema?”, questiona a professora, ao sugerir um trabalho mais intenso de conscientização dos pais das crianças para que eles dosem mais o consumo dos aparelhos e controlem o acesso a plataformas e aplicativos. 

“É controlar o tempo que a criança fica de acesso ao celular, limitando em até duas horas, é ficar de olho no que a criança está mexendo no telefone, naquilo que ela está trazendo, no que ela está vendo, com quem ela está falando, etc. E prestar atenção na classificação indicativa destes sites e aplicativos”, diz Catiele. 

Brincadeiras de rua

Um caminho possível para tentar diminuir a dependência das telas é incentivar a retomada das brincadeiras e atividades de rua, que vão desde a prática de esportes como futebol, vôlei, “queimada” ou artes marciais, até a brincadeiras mais praticadas antigamente, como bola-de-gude, “pique-esconde” e o “pega-pega”, que exigem uma boa dose de energia e esforço físico. Elas foram perdendo espaço para as telas ao longo das últimas décadas, o que também impactou o “modo de brincar” das gerações mais novas. 

Este detalhe foi constatado em outro estudo, feito por pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), ligada à Universidade de São Paulo (USP). Eles acompanharam os hábitos de recreação e consumo digital de 14 crianças entre 8 e 12 anos. Elas têm escolhido consumir conteúdos de redes sociais como YouTube, TikTok e WhastApp, em detrimento de atividades e jogos lúdicos. E relataram dificuldades em brincar sozinhas e em interagir com outras pessoas no ambiente físico, além de estarem mais expostas a situações como cyberbullying, assédio e pressões psicológicas dos mais variados tipos. Uma das consequências apontadas pelo estudo foi a “diminuição da criatividade para desenvolver brincadeiras individuais na vida real”.

“A criança acaba achando muito mais atraente as cores, o vídeo, a tecnologia que é trazida pelos elementos que a gente tem aqui. Então, o ato de brincar vem sendo moldado por essa prática, justamente por conta desses elementos que a gente tem de trazer, com uma grande quantidade de coisas, de situações que fazem com que a criança esteja sempre ligada. Sem contar o fato de elas ficarem cada vez mais perigosas. As crianças vem perdendo o espaço do brincar coletivamente e a habilidade social, ou seja, a socialização, que é um ato aprendido, enquanto vem perdendo esse espaço”, lamenta a professora Catiele, atribuindo o fato a uma “necessidade mercadológica” cada vez mais presente, com os pais querendo manter seus filhos cada vez mais ocupados o tempo inteiro. 

“Perde-se a criatividade porque dão tudo de mão beijada pra essa criança, no sentido de não permitir que ela fique entediada. Ela sempre tem que estar fazendo alguma coisa e perde o espaço de criar essa ‘alguma coisa’ que ela vai fazer. Um brinquedo, quando é dado para a criança, já vem com a instrução específica de como ele deve ser usado. Esquece-se que, muitas vezes, que esse brinquedo que eu vou colocar pra essa criança, é algo que eu vou deixar ela descobrir. Tem-se um excesso de falta de paciência nessa questão, que também vem de uma geração de pais tecnológicos”, observa ela.

Autor: Gabriel Damásio

Fonte: Asscom Unit

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