Itabaiana, 350 anos – Alberto Nogueira Silva (78 anos).(Por Antonio Samarone)

Escalando a grande Serra, encontrei uma velha chácara, no Alto dos Ventos, onde se cultiva cogumelos comestíveis, onde o biribá, a pinha roxa, o canistel e a sapota amarela, prosperam num pomar exótico.

Num velho Chalé, mora dignamente Alberto Nogueira. Sozinho, digo melhor, na companhia de Alípio e Josefina, dois gatos nascidos no pé de Serra. Uma vida paradisíaca. Quando se acorda disposto, Alberto caminha uns 40 minutos, e vai tomar o banho matinal nas frias águas do Poço das Moças.

Lembrei-me de Elis Regina: “Eu quero uma casa no campo/ Onde eu possa ficar do tamanho da paz/ E tenha somente a certeza/ Dos limites do corpo e nada mais/ Eu quero carneiros e cabras/ Pastando solenes no meu jardim/ Eu quero o silêncio das línguas cansadas.”

Você merece, Alberto de Seu Bebé dos Passarinhos.

Alberto Nogueira Silva nasceu no Beco Novo profundo, Itabaiana Grande, em 23 de julho de 1946. Filho de Seu Bebé e Dona Júlia Nogueira. Neto do grande Maestro Antonio Silva, um negro do Pé da Serra. Aliás, o Barro Preto, vizinho ao Bom Jardim, foi um quilombo.

A família de Seu Bebé morava na terceira quadra da Rua Coronel Sebrão (Beco Novo), defronte ao Clube dos Trabalhadores, entidade festiva criada pelos comunistas.

Moravam ao lado de Miguel Fagundes e Dona Marinete, que vendia o melhor arroz-doce da cidade. As 13 horas, passavam Juju e Genilson, filhos de Zequinha de Santinho de Nia, com os tabuleiros de arroz de Dona Marinete. Irresistíveis!

Seu Miguel Fagundes era o patriarca do Beco Novo, udenista, vendia coco e emprestava dinheiro a juros. Ocasionalmente, botava o dinheiro para tomar sol na calçada, tirar o bolou, dentro de umas arupemas. Pai de Rovanda, Marluce, Renan (Cobra Verde) e o Tenente Erivaldo. Nunca perdeu um enterro.

Seu Bebé, Adalberto Silva, era sapateiro, como muita gente. Itabaiana era lotada de sapatarias e tendas. Ainda não entendi a origem. Por que tantos? Itabaiana possuía muitos curtumes e se produzia a “sola”, um grande armazém de Couro, de Seu Vieira, que se vendia fiado, para os sapateiros pagarem em dezembro. Quem atrasasse, ficasse devendo, Seu Vieira não cortava o crédito.

Dizia Seu Vieira: “se cortar o crédito é pior, o devedor deixa de trabalhar e eu fico sem ter a quem vender.”

Sapatarias famosas: Zeca Titia, Genaro, Vicentinho, Zé de Gonçalo, Seu Justino, Mestre Dema. A farra dos sapatos acabou, com a chegada dos sapatos de fábrica e os calçados plásticos. Chegou o capitalismo.

Alberto foi criado tomando banho no Açude Velho, onde eu aprendi a nadar, no Aloque e no Tanquinho, e buscando água para beber, na Pedreira, próxima à Rua de Maraba.

Durante o carnaval, além do Bloco Margem da Serra, comandado por João Criano, o Clube dos Trabalhadores fazia os seus bailes, e até uma matinê, aos domingos, para as crianças. O Clube, acordava tocando os frevos de Capiba: “borboleta não é ave/ borboleta, ave é/ borboleta só é ave na cabeça da mulher”, até hoje, não sai de minha cabeça.

Em Itabaiana, Alberto jogou no segundo quadro do Cantagalo. Na década de 1950, até o futebol tinha partido político. O Itabaiana era do PSD, e do comunista Tonho de Dóci, um time que se levava a sério. A UDN fundou o Cantagalo, pelas mãos de Tonho de Euclides e Francisco Vilobaldo (Chico do Cantagalo). Um time mais leve, que tinha a simpatia da molecada.

O Cantagalo formou times memoráveis: Dinda, Pedro Nila e Benedito Bispo; Faustinho, Dequinha e Paulo de Dezí; Zé de Finha, Dinho de Seu Vital, Tonho Leite, Robério e Sabará. O treinador era Boca Rica.

Houve um Cantagalo curioso, cujos nomes dos jogadores, eram iniciados com letra “B”: Boló, Boião e Biolo; Baldo, Benedito e Boca de Cabelo; Boarnerges, Bibi de Zé Madorna, Beto de Mané Padeiro, Bené e Bobó. O treinador era Boca Rica e o massagista Birunga.

Alberto viu chegar o Voleibol em Itabaiana, numa área vizinha a casa do Tenente Baltazar. Um oficial misterioso, que morava numa casa boa, de muros altos, e criava canários da terra. Esse campo de voleibol ficava ao lado do sítio de Seu Pedrinho Barbosa, pai de Gentil e Noel, os donos do G.Barbosa.

O Beco Novo era um polo cultural e esportivo, de pobres e remediados. Era o caminho para o Taboleiro dos Caboclos, um quilombo de paneleiros e jogadores de futebol. Os craques em Itabaiana, nasceram no Cruzeiro, hoje, Bairro São Cristóvão: Lima, Coringa, Zé de Chico, Zé Luiz, Augusto, Divo, Elisio, Dedé, Tonho de Preta, Zé de Vitinha e tantos outros jogadores de futebol.

Moravam no Beco Novo: João Giba, perfumista e produtor de botes de fósforos de sete pancadas, Pierrô e Bonito, negros vindos de Maruim para reforçar o Itabaiana, Vieira Lima, com a sua enorme família, Santinho da bodega, Zé Camilo, Zé Mosquito, Neca Funileiro, Alaíde e Fóbica, a família do Cabo João Mole, Antonio Angico e Dionélia, Dona Bilô e seu filho Zezito, Antonio de Anjinho, Armelino e as putas da Vila de Manesinho Clemente (Maria Grande, Maria Pretinha, Maria Ribeirópolis e Zefinha Carne Frita). Falta muita gente, que eu conto depois.

Alberto Nogueira, aprendeu as primeiras letras com o seu Tio, Airton Silva, o professor Órion. Passou pelas escolas das professoras Odília Cedro e Helena de Branquinha, pelo Grupo Guilhermino Bezerra e pelo Ginásio Murilo Braga.

Em 1961, aos 15 anos, Alberto Nogueira já tinha esgotado os estudos que Itabaiana podia oferecer.

E agora? Os meninos de famílias ricas iam estudar em Aracaju. E os outros? Itabaiana não tinha empregos. O destino era ser sapateiro ou alfaiate. Alberto foi aprendiz de ourives, no ateliê de Samuel de Felismino. O ouro já era importante no comércio de Itabaiana: seu Toninho, o pai de Djalma, Raimundo, Antonio Lobo, entre outros.

Aos 15 anos, Alberto Nogueira seguiu a sina de muitos: foi tentar a vida no Sul Maravilha, primeiro para o Rio de Janeiro, viver na Baixada Fluminense, destinos de muitos itabaianenses. Eu visitei a família de Seu Justino e Dona Mãezinha, no Distrito de Queimados. Depois Alberto migrou para Santo André, São Paulo.

No Sul, Alberto se formou em contabilidade, administração de empresas e direito. Jogou futebol, e se reencontrou com muitos outros itabaianenses, que tiveram o mesmo destino: ir embora, tentar a sorte.

Eram tantos os exilados de Itabaiana, em São Paulo, que eles fundaram o Cantagalo de Santo André.

Alberto, por lá estudou, trabalhou em fábricas, se casou e criou família. Somente em 1989, aos 42 anos, ele retornou a Terra Natal. Na volta, Alberto abriu um escritório de advogacia, casou com Angela Garcia Moreno, a filha mais velha de Dr. Pedro, e foi viver.

Alberto, na volta do exílio, se meteu com o futebol, sendo presidente da Associação Olímpica de Itabaiana, por sete anos. Em sua gestão, o Itabaiana foi campeão sergipano em 2005.

Foi esse itabaianense, que eu encontrei em paz, no sítio do Alto dos Ventos, no pé da Serra de Itabaiana. Um torcedor do Palmeiras.

Um homem que lutou, sofreu, ganhou e perdeu, mas construiu uma história de vida digna.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

Acompanhe também o 93 Notícias nos seguintes canais: WhatsApp, Instagram, Facebook, TikTok, X Antigo, Twitter e YouTube.