Vozes femininas materializam resistência e perpetuam legado do forró

Forrozeiras de diferentes gerações se destacam em ambiente marcado pela prevalência masculina

Redação, 26 de Maio , 2023 - Atualizado em 26 de Maio, 2023

Pensar nas mais famosas e tradicionais canções de forró significa, na maioria das vezes, pensar em vocais masculinos. Mas, entre tantas faixas interpretadas por homens, sobressaem mulheres que seguem levantando a voz e defendendo a bandeira da cultura e da música popular nordestina. Em Sergipe, artistas femininas continuam ocupando palcos para cantar xote, xaxado e baião, dando prosseguimento ao legado do forró deixado por suas antecessoras.

E essa história vem sendo construída há muito tempo, passada através de gerações. A forrozeira Joseane Dy Josa, com quase 40 anos de carreira, é a prova viva disso. Seu timbre marcante é, ainda hoje, atração nas rádios país afora. Tendo aprendido o ofício através do pai, Joseane ensina a paixão pelo forró aos filhos.

“Sou filha de Josa, O Vaqueiro do Sertão. Por isso, costumo dizer que, dentro do útero, eu já ouvia a sanfona, o triângulo, a zabumba e o aboio. Minha irmã, Jose, cantava com meu pai, mas acabou parando quando casou. Percebi que ele ficou triste, e resolvi cantar também. Meu primeiro show foi aos treze anos. Passei 11 anos acompanhando meu pai, e depois segui carreira solo. Hoje, meu filho mais velho toca sanfona, que nem o avô”, lembra.

Também veterana no forró, a cantora e compositora Virgínia Fontes já conta mais de 30 anos de carreira. Com dez álbuns e um DVD gravados, a forrozeira começou sua história na música experimentando outros estilos. Foi no forró, entretanto, que se encontrou enquanto artista.

“Já cantei de tudo: MPB, Axé... Meu primeiro disco, de 1992, foi com estilos variados. Mas, o que faz bater o coração é o forró. Tanto que, em 1995, a partir do meu segundo álbum, comecei a cantar e gravar só forró. Antes disso, fiz meu primeiro show de forró bem por acaso, sem ensaiar antes, porque a cantora principal faltou. Depois de duas horas de show, sabendo todas as músicas, entendi: ‘sou uma cantora de forró’”, conta.

Pertencente à nova leva de forrozeiras em Sergipe, a cantora Rebecca Melo tem os nomes de Joseane e Virgínia como objetos de admiração. Cantando profissionalmente desde 2007 e estudando música desde a infância, Rebecca também começou pela MPB e pelo jazz. Para ela, que é aluna de sanfona no Conservatório de Música de Sergipe, o forró faz parte de um processo de amadurecimento em sua carreira.

“Sempre fui fã de Luiz Gonzaga, escuto desde os sete anos. Minha mãe tinha um vinil, eu ficava olhando o encarte e admirando. Eu também dançava quadrilha. E o forró, pra quem é nordestino, é uma questão de pertencimento. Todo mundo tem alguma história que envolve o forró”, pontua.

Referências

Além de experiências, Joseane, Virgínia e Rebecca partilham inspirações. “Minha madrinha musical, Clemilda, me nomeou como ‘a garota sapeca’, por causa do meu jeito serelepe e alegre de me apresentar. Ela foi uma grande referência, assim como Marinês. Também tive Anastácia como espelho. Uma grande compositora, que tive oportunidade de conhecer”, frisa Joseane.

Na visão de Rebecca, referenciar grandes artistas é prestar tributo àquelas que pavimentaram o caminho. “Quando comecei, pedi licença a quem veio antes de mim. Apresentei, por exemplo, um projeto chamado ‘Rainhas do Forró’. Foi um repertório formado só com músicas de Marinês, a rainha do Xaxado, e Anastácia, a rainha do Forró. Não posso esquecer também de Joésia Ramos, que, inclusive, me deu de presente uma música que faz parte do meu primeiro álbum”, relata.

Para Virgínia, a lista também inclui nomes como Marluce, imortalizada na dupla com Zé Rosendo, e Amorosa. “Infelizmente, a gente conta a dedo os nomes femininos no forró. E poucas mulheres têm surgido na cena. Isso me preocupa: pensar no futuro. A gente precisa de uma renovação”, opina.

Rebecca concorda, e destaca a necessidade de mais nomes femininos no forró. “Na nova geração em Sergipe, temos Erica Barbozza e Tais Nogueira, por exemplo. Mas ainda são poucos nomes. Precisamos de mais mulheres, para dar continuidade a esse legado”, considera.

Desafios

Seja entre as forrozeiras de longa data ou entre aquelas que firmaram carreira recentemente, os desafios são uma constante. “É muito difícil manter uma carreira sendo uma artista mulher, principalmente no forró. Mas quando a gente se apresenta e alguém gosta, é extremamente gratificante. É isso que nos dá força para continuar”, enfatiza Virgínia Fontes. “Sendo mulher, a dificuldade acaba sendo maior. Ainda mais se você for nordestina e cantora de forró”, complementa Joseane Dy Josa.

Segundo Rebecca, a continuidade no ramo exige resistência. “O forró é um lugar difícil para as mulheres. Passamos por problemas, precisamos comprar algumas brigas. Mas acredito que a ocupação de espaços, o estar no palco, é justamente a forma mais efetiva de frisar nossa qualidade artística e de mostrar que a gente merece sim estar ali”, ressalta.

As dificuldades passam, ainda, pela falta de plataformas que valorizem e projetem a cultura do forró. “Sergipe não é o país do forró somente no mês de junho, mas durante todo o ano todo. O artista tem que ter essa segurança, essa estabilidade. Tem pessoas que querem nos ver e ouvir. Então, a gente tem que carregar essa história”, defende Joseane.

A formação de público, segundo Rebecca, é uma das chaves para que o trabalho das forrozeiras e forrozeiros se mantenha vivo. “Gostaria de ver o público mais empenhado em conhecer artistas sergipanos, e que houvesse mais palcos para o forró durante o ano inteiro. Essa cultura precisa ser alimentada, já que o forró é um patrimônio imaterial. Precisa haver um fomento, inclusive em uma perspectiva comercial, em que todo evento seja um pretexto para tocar forró”, manifesta.

A perda de espaço do forró tradicional para os estilos contemporâneos também é apontada como um dos desafios para os artistas do segmento. Mas, para Virgínia, é possível conciliar todos os ritmos. “Acredito que, em 2023, todos os tipos de forró tenham espaço. É bom misturar, prestigiar os novos estilos. E é importante a gente não ser fanático, tentar ser mais aberto e versátil. É bom saber mesclar e inovar, mas sempre dentro dos padrões, para respeitar a origem”, salienta.

Futuro

Apesar dos percalços, o forró segue como uma paixão na vida de Joseane, Virgínia e Rebecca. Para as três, o ritmo representa, mais do que uma escolha estética, um traço identitário. “Foi com o forró que, de fato, me senti realizada, me encontrei e me senti encaixada. Quis seguir dentro do forró tradicional justamente por entender que a gente precisa ter mulheres da minha geração defendendo essa cultura”, sinaliza Rebecca.

Para Virgínia Fontes, o forró continuará fazendo parte de sua trajetória por um longo tempo. “Foi com o forró que eu criei minha identidade, que me encontrei na música. Quero continuar cantando forró até o final da minha história”, assegura.

A cantora e compositora também acredita que iniciativas como a programação do Governo do Estado para o período junino são fundamentais para honrar a história do forró sergipano. “O governo está de parabéns por promover 30 dias de forró, com tantos artistas sergipanos no palco, e também por reviver a Rua São João. Como sergipana e forrozeira, fico muito feliz em ver esse retorno”, afirma Virgínia.

Joseane, por sua vez, crê que é preciso ir mais além, fazendo um trabalho de base junto ao público jovem. “Fui convidada a falar para os alunos de algumas escolas, contando um pouco da história e da cultura do forró. E esses momentos são importantes para que a gente possa plantar uma semente. Pode ser que, em uma dessas, surja uma nova Joseane, uma nova Clemilda... Um nome novo para o nosso amado forró”, prenuncia.
 

 

ASN


Siga os canais do Portal 93 Notícias: YouTube, Instagram, Facebook, Threads e TikTok

Participe da comunidade da 93 Notícias no Whatsapp e receba as principais notícias do dia direto no seu celular. Clique aqui e se inscreva.

O que você está buscando?