Manoel M. Tourinho; Manoel Moacir C. Macêdo; Gutemberg A. D. Guerra
Temos escrito saudando e criticando a democracia “barulhenta”, manifesta nas ruas, em tempo de eleições municipais. O município, na estrutura federativa brasileira, é a célula-mater da política participativa. Aí viceja a democracia.
A democracia brasileira é incipiente. Não terminou o ciclo fundamental. Os poderes constituídos vivem em suas jaulas se engalfinhando. Triste realidade, como parte da ação política umtanto darwinista. No casulo da democracia, trafega aevolução da democracia clássica à participativa. Felizes as nações cuja democracia não foi interrompida pelo autoritarismo ou totalitarismo, como no Brasil em duas ocasiões: 1937 e 1964.
Embora em contextos históricos diferentes, ambas foram concebidas para manutenção de privilégios das elites, sobretudo as agrárias, e das classes médias, a pequena burguesia, formada e apropriada pelas induções ufanistas vindas com a urbanização conservadora. Tempo de isquemia, das reduções ou interrupções dos movimentos populares conscientizadores.
De modo fisiológico e anatômico, considera-se a democracia como um estado civilizatório, de direitos e ações, que se contrapõe ao autoritarismo e ao totalitarismo, este último uma situação política, densamente pior que o autoritarismo, um desejo qualificado dos movimentos fascistas, nazistas e até mesmo neoliberais em voga no mundo, ainda que contraditório.
O totalitarismo acompanha o estado mínimo, exatamente porque a democracia não é unívoca, em nenhum país do mundo, isto é, ela alberga uma plêiade de possibilidades. As cotas raciais e degênero, entre outras ações afirmativas, são frutos dessas possiblidades, propostas legisladas pelo estado democrático, como “estado pleno” e nunca “mínimo”, ou privatizado em seus alicerces constitucionais.
Estado mínimo é um estado isquêmico, com oxigenação sanguínea interrompida ou desviada. Como dito, o Brasil é uma nação-infante-democrática, e o seu processo foi interrompido algumas vezes. Golpes estruturais-constitucionais foram e podem ser usados. O último golpe foidisparado em 8 de janeiro de 2023. Atualmente, o Congresso Nacional ensaia outra ruptura com a anistia aos golpistas e vândalos que tentaram destruir a evolução natural da democracia brasileira. O experimento social e político deve continuar, enfrentar e persistir. Afastar sempre a democracia das doenças isquêmicas. Recorrer a “pontes” e “stentils” quantos necessários.
As terapias advém do povo organizado emovimentos populares, nos centros urbanos, vilas e povoados rurais. O Brasil grita pela saúde dademocracia representativa, referenciada na vontade popular nas instituições judiciárias, legislativas e executivas. O esperado é que as ações desses poderes sejam em suas medidas, as demandas da sociedade por inteiro, embora os sistemas de representações populares não tenham origem efetivamente democráticas na via da luta popular.
O povo consciente é o remédio das isquemias institucionais. Portanto, às ruas, aos comícios, às bandeiras, ao panelaço, ao buzinaço e ao barulho. Dormir com o barulho da democracia é melhor queacordar com o silêncio das armas e a isquemia dos ditadores.
Manoel M. Tourinho, Gutemberg A. D. Guerra e Manoel Moacir C. Macêdo são engenheiros agrônomos e pós-graduados nas Ciências Sociais.