A REVOLUÇÃO VERDE NÃO RESISTE AO FUTURO por Clayton Campagnolla e Manoel Moacir Costa Macêdo

Manoel Moacir, 09 de Setembro, 2022 - Atualizado em 09 de Setembro, 2022

A modernização da agricultura brasileira, iniciada na década de 1960 inspirada nos fundamentos da chamada Revolução Verde, para alguns a “modernização dolorosa” e para outros a “modernização conservadora”, deixou rastros de ganhos e perdas. Não teve um sentido único de progresso, nem de neutralidade tecnológica. Ao contrário, foi seletiva em seus efeitos e interesses. As suas externalidades, atingiram desigualmente as criaturas na vida terrena. Em sociedades desiguais, como a brasileira, os estabelecidos na base da concentração de riqueza foram os mais vulneráveis, os invisíveis aos valores civilizatórios e iluministas.


A Revolução Verde simplificou a diversidade dos sistemas de produção em específicos “pacotes tecnológicos”, ignorando as identidades históricas, sociais, econômicas e ambientais dos produtores rurais e seus modos de produzir e viver. Eles foram “replicados e adaptados de processos tecnológicos criados em países avançados”. A complexidade dos sistemas de produção em uso foi intricada no reducionismo entre “adotantes e não-adotantes e pequenos, médios e grandes”, ou ainda, “retardatários e inovadores, atrasados e evoluídos”. A referência era a monta das inovações adotadas pelos referidos “pacotes tecnológicos”. Uma lógica reconstruída pela “inovação induzida” dos fatores de produção intensivos em capital. A produtividade da terra maximizada pelos fertilizantes, máquinas e equipamentos agrícolas. As sementes geneticamente melhoradas, divorciadas da autonomia dos produtores, carregavam a potência genética pelo uso de insumos, a exemplo dos fertilizantes sintéticos e agrotóxicos.
Um sistema nacional de pesquisa, de assistência técnica e de crédito, aliado aos programas nacionais de comercialização e uso de insumos químicos incentivados com recursos públicos subsidiados foram atrelados às demandas da modernização da agricultura.

Não se nega o aumento linear da área cultivada e da produtividade das lavouras e criações, alheio às externalidades em sua diversidade e amplitude. Migrações, desemprego, pobreza, fome e impactos ambientais, são algumas evidências. Exigências dos consumidores e a diversidade dos produtores não constavam nas premissas da “modernização da agricultura”. As externalidades nas pessoas e na natureza não foram contabilizadas. Agressões à natureza, algumas sem retorno, a exemplo do desmatamento, extinção de espécies silvestres e alterações nos ecossistemas foram ignorados. O objetivo era produzir comida barata, sem levar em conta à mão-de-obra expulsa do campo e absolvida com salários irrisórios pela indústria nascente nas cidades ou mesmo vivendo de trabalho autônomo precário, uma perfeita equação de acumulação. Realidade projetada em tempo de pandemia e carestia dos alimentos.

A combinação de usura, acumulação, consumo de agroquímicos e as safras agrícolas recordes cega e emudece as vozes do humanismo e da persistente desigualdade social brasileira. As dores da pandemia da Covid-19 são advertências de um planeta que chora e geme as dores das mudanças climáticas, do aquecimento global, do desemprego, da fome e da miséria. A agropecuária tem sido responsável por quase um terço das emissões de carbono do País, dos gases de efeito-estufa, que sustentam o aquecimento da Terra e ameaça a vida humana. O sucesso quantitativo de produção e produtividade de grãos pela lógica da Revolução Verde, em países populosos e combalidos pela fome aguda, não são parâmetros para o mundo. No Brasil, ao contrário do combate à fome, ela empurrou a produção agropecuária para a exportação, na economia internacional globalizada como commodities agrícolas. Antes, foi o café e o algodão, hoje a soja, os grãos e as carnes. A mesma estratégia e os mesmos fins nas últimas cinco décadas. A safra atual de mais que 270 milhões de toneladas de grãos, recorde nacional e suficiente para alimentar a totalidade dos brasileiros e brasileiras, guarda uma relação direta com o crescimento da fome de mais da metade da população brasileira. Modelo que alimenta as cadeias globais agroalimentares e contribui para o equilíbrio da balança de pagamentos do País. Contradições inaceitáveis.

Ao menos três premissas merecem investigação. Primeira: quais os beneficiários sociais da Revolução Verde traduzida na modernização da agricultura brasileira, nesse meio século da existência? Segunda: as externalidades ambientais e sociais, suportam os dispêndios do Estado brasileiro? Terceiro: o êxodo rural, a violência, a pobreza, a fome e o desmatamento versus a modernização da agricultura, quem ganhou e quem perdeu?


Clayton Campagnolla e Manoel Moacir Costa Macêdo são engenheiros agrônomos e respectivamente ex-presidente da EMBRAPA e ex-dirigente de Unidades Descentralizadas e Central da EMBRAPA

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