QUEIMA DE JUDAS

José de Almeida Bispo, 08 de Abril, 2023

Confesso que sempre me senti incomodado com a “queima de judeu” desde pequeno.
Mesmo antes do atual estágio de vida, onde tenho por princípio só matar aquilo que vou comer; que matará a minha fome, para que eu não morra. Aqui, e só aqui é matar ou morrer. Não importa se o grão ou ovo ainda por germinar, porém já vida latente; ou o boi ou baleia: exceto leite, mel, frutos e raízes tuberosas, tudo o mais que se come morreu para nos manter vivos. Cada vida, pois, é sacratíssima.
A queima de judeu (como se dizia no meu meio) ou de Judas, portanto, sempre me soou estranha; uma brincadeira grosseira.
Até que fui crescendo e estudando, e aprendendo sobre a Inquisição.
Foi ela instituída pelo Estado fundamentalista religioso, na tentativa de pela força extremada manter pessoas presas ao seu modo de vida, independentemente das suas vontades. E já começou com punições extremas contra os cátaros, na alta Idade Média, inclusive queimando-os na fogueira. Briga de poder.
Porém foi com seu uso pelas monarquias de Castela e Aragão, como instrumento de tortura e morte, em nome de Cristo, por toda a sorte de mau elemento encastelado no poder, da Igreja ou do nascente império espanhol; e, em geral em ambas posições. Mas não ficou só por isso. De fato, a inquisição espanhola foi um imenso latrocínio conduzido em nome da fé e, pasmem: do maior defensor da vida, o próprio Jesus Cristo.
Fortunas pessoais se fizeram à custa da expropriação pela Corte, que ficava com a maior parte roubada, distribuindo fartas comissões aos denunciantes e até mimos aos inquisidores da Igreja.
À patuleia, com gosto de sangue na boca o momento de gozo era quando ouvia os terríveis gritos de dor dos condenados a queimarem vivos; mas para os agentes dos reis, os covardes denunciantes, principalmente, a fuga do acusado depois de ter todos os bens perdidos, não trazia segurança absoluta, já que testemunho da selvageria perpetrada; contudo, o principal já tinha sido atingido: os bens.
A América foi descoberta com financiamento dessa natureza. Assim também as demais conquistas espanholas, na Europa e além dela.
A fórmula se repetiria a partir de 1934 na Alemanha, e dessa vez com o ouro roubado aos judeus financiando a exponencial máquina de matar de Hitler, até 1945. Latrocidas. Desde grandes quantidades em dinheiro, moeda e imóveis, a reles dentes ouro ou próteses metálicas em algum osso do corpo, arrancado dos gaseados antes de serem queimados nos fornos crematórios. Assassinos e ladrões. Supostamente em nome da pátria e da pureza racial.
Voltando à Espanha de quatro séculos antes, quando o judeu era rico e bem antenado, se conseguisse corromper a máquina – coisa não muito difícil de fazer – poderia fugir e seria queimado um boneco de pano em seu lugar no dia do “Auto de Fé”.
Assim surgiu a tradição da queima do judeu, depois mudado para Judas, haja vista a péssima reputação do discípulo traidor. Para não chocar.
Hoje, como desde o início da pandemia não houve a tradicional “Queima de Judas” no estacionamento do Estádio Mendonção, com suas bombas pipocando e lançando molambos por todos os lados, como há 500 anos em Portugal e principalmente na Espanha, com farta plateia a aplaudir.

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