PROGRAMA MURALHA DIGITAL RETOMA O CONCEITO DE CIDADE FORTIFICADA.

348 anos depois.

José de Almeida Bispo, 19 de Junho, 2023 - Atualizado em 19 de Junho, 2023

Rumo a um inevitável Admirável Mundo Novo.


Eric Arthur Blair, sob o pseudônimo de George Orwell, foi uma figura, digamos, popular em nosso frenético século XX próximo passado.
Perfeccionista, logo racionalista extremado, logo se encantou e desencantou com o comunismo.
Como bom inglês imperial, treinado na arte de pregar contra o império da Rússia, de olho em seus vastos recursos minerais, escreveu uma obra prima: a República dos Bichos. Amplamente usada pela direita para atacar o Regime de Moscou, à época sob o comando de um atordoado e violento Josef Vissariónovitch Stalin. Segundo Orwell, um império onde a corrupção foi privatizada ao partido governante. Sem discórdia; sem reação. Ditadura total.
Porém, a obra de Orwell, que mais chocou foi o livro 1984; um mundo sombrio, controlado por uma Ditadura, espécie de Matrix, denominado como Big Brother ou Grande Irmão – de fato, na tradução real, o irmão mais velho, ou o primus inter pares de Augusto - que tudo via e tudo impunha, com chances zero de liberdade ou rebeldia. Baseava-se ele num rígido sistema de vigilância, onde nada escapava do olho do Grande Irmão, obviamente, punido com rigor, qualquer perturbação de sua ordem.
Aldous Leonard Huxley, também inglês imperial foi além. Como um humanista, foi fundo no drama humano a publicou Admirável Mundo Novo, uma visão da ditadura da razão, utópica até certo ponto, de fato uma distopia, em que os conceitos de Burrhus Frederic Skinner – que dariam no behaviorismo radical – estão delineados em toda a sua plenitude. O livro, lançado em 1932, antes da extrema-direita alemã entregar o governo da Alemanha ao nazismo de Hitler para fazer o que fez e muito mais.
No A Revolta de Atlas, de 1957, a ultra-direitista Ayn Rand, como todo liberalóide, supostamente pretendeu enterrar os sentimentos nobres; como o altruísmo, o amor e a compaixão, em nome do vale-tudo de mercado, o que presenciou o início na Reagnomics (de Ronald Reagan) antes mesmo de morrer, em 1982. Mas de verdade o que produziu foi um comunismo transmutado, em um império muito mais ameaçador, mais para Aldous Huxley que para George Orwell, logo, muito mais perigoso.
Enfim, chegamos a essa terceira década do século XXI com o Grande Irmão devidamente instalado, vasculhando nossas vidas através das centenas de milhões de câmeras fixas de vídeo, e das bilhões de câmeras de celulares em operação. Mas o Grande Irmão não parece de todo mau. Como no Admirável Mundo Novo de Huxley, parece até uma democracia radical; onde todos falam al mesmo tempo “o que bem pensar”, em contrário aos conceitos de Skinner e dos behavioristas. Parece.

Bem... Aterrissando.

Hoje, num comunicado na Câmara Municipal de Itabaiana, o Prefeito Adailton Souza, ladeado por secretariado e todas as autoridades envolvidas em segurança no município anunciou o programa Muralha Digital. Que nada mais é do que uma inevitável medida para cacifar o setor de segurança da cidade, mediante vigilância integrada, da Guarda Municipal com as polícias Civil, Militar, Bombeiros, Rodoviárias Federal e a própria Polícia Federal.
Demonstrou, ao vivo, já em operação piloto, cinco unidades de altíssima definição e alcance, para vigilância em geral; também nas rodovias (Itabaiana é um entroncamento federal, desde a sua fundação em 1675). Monitoramento total. É só o começo.
É o preço que se paga para viver em liberdade; uma vez que quem mais preza pelo anonimato, pelo escondido é o marginal.
No passado tínhamos a fofoca da rua em que morávamos para tolher, inibir a marginalidade; hoje, com toda essa mobilidade e individualização exacerbada só há um meio de continuarmos com nossa liberdade, mesmo que vigiada: usando a tecnologia. “Tudo vigiado por máquinas de adorável graça”. (*)
Em 1999, com o início da popularização das câmeras, à época, analógicas, e de baixa definição em relação às digitais atuais, no Conselho Municipal de Segurança de Itabaiana, propusemos a instalação de dez unidades, distribuídas no Centro da cidade e pelos principais acessos a ela. A ideia foi aceita e aprovada, porém o Conselho, entidade pública de direito privado, não dispunha de recursos, e a ideia morreu.
Lembrando que o Conselho foi criado em 1998, no pico de uma escalada de insegurança que se abateu sobre o município de Itabaiana.
A instalação da Muralha Digital atende a reclamos de quando a cidade nasceu, em 30 de outubro de 1675.
Naquele ano, ela nasceu por força de ordem régia de Portugal. Deveria ter sido cidade de verdade; com muro, fosso, torres de vigilância, ponte e portão de acesso como qualquer cidade fortificada da Idade Média, ou qualquer que naquele ano tivesse a missão de guardar a prata extraída de sua mina.
Não foi encontrada a prata; não foi construída a muralha; e de uma cidade, a única coisa a ficar foi a Matriz de Santo Antônio, que gerou ao seu redor a vila como sede do município, depois agraciada com o status de cidade. Cidade de Itabaiana.
A Muralha Digital retoma o conceito de cidade fortificada.

(*) Vide aqui:

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