A Saúde não tem preço! (por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 14 de Agosto, 2022 - Atualizado em 14 de Agosto, 2022

 

 

A sabedoria desejada pelos velhos consiste em livrar-se dos chatos, dos aborrecimentos miúdos do dia a dia, das pequenas mazelas e da pretensão de arrumar o mundo segundo os seus caprichos.

Alguns conseguem!

Entretanto, ninguém escapa da tolice suprema, a ilusão de querer comandar o próprio corpo, de mantê-lo dentro das normas médicas.

A medicina não tem limites, não lhe basta enfrentar as enfermidades. A medicina impõe regras aos comportamentos, as condutas e ao corpo humano. A vida foi medicalizada.

Foucault achava que a medicina era parte do controle social, da dominação política através da subordinação disciplinar do corpo. Isso era antes, nas sociedades industriais centradas na disciplina do corpo.

A atenção aos doentes deixou de ser tarefa da caridade. Ao final da Segunda Guerra, a saúde virou um direito. O Estado passou a cuidar do bem-estar físico das pessoas.

A atenção a saúde deixou de ser apenas uma preocupação do Estado em manter a higidez da força de trabalho. A atenção a saúde subordinou-se a lógica do mercado.

A medicina de ciência da enfermidades e arte da cura, tornou-se um bem de consumo, uma atividade macroeconômica. Ao incorporar-se ao mercado, a medicina subordinou-se a lógica da mercadoria e do lucro.

Para atender as exigências da forma mercadoria (padronização, impessoalidade, produtividade e lucro previsíveis), a medicina afastou-se da subjetividade do cuidado e fragmentou-se em procedimento. A atenção deixou de ser o doente, o ser, a pessoal, o paciente, e centrou-se na doença, no corpo, no ente, no objeto.

Nisso consiste a essência da chamada desumanização da medicina: a relação deixa de ser médico/paciente (homem/homem), transformando-se numa relação médico/doença (homem/objeto). A medicina deixa de ser uma relação humana, submetendo-se a fetichização das coisas.

A opção da biomedicina pela evidência científica na condução de sua prática foi a forma de livrar-se das pessoas e concentra-se no corpo.

A arte médica da cura, voltada para a subjetividade do sofrimento humano tornou-se inadequada as regras objetivas do mercado. A empatia e a misericórdia freiam a produtividade e o lucro.

Por séculos, o erro médico foi atribuído aos desconhecimentos da medicina. Hoje, a medicina erra por saber demais sobre o corpo. A medicina voltada para o lucro é iatrogênica, incompatível com as necessidades dos que sofrem.

Um velho amigo, movido pela crença de manter o corpo dentro das exigências médicas, submeteu-se aos exames de rotina. Daqueles genéricos, onde se examina tudo, tentando encontrar alguma parâmetro fora da normalidade.

Uma pessoa de 70 anos, passar por esse baculejo sanitário e achar que vai sair com uma “nada consta”, é muita ilusão.

Não deu outra: os valores do PSA, uma antígeno produzido pelas células da próstata, estavam aumentado.

O amigo não sentia nada. Levava a vida familiar e social dentro dos padrões. Com a notícia, a vida desabou, teve a força de uma condenação a morte.

O sofrimento dele foi provocada pelo conhecimento do resultado dos exames. O saber médico acena para o risco de uma câncer de próstata, com os seus dissabores. E basta!

A medicina de mercado apressou-se, com a promessa de uma sobrevida maior, ofereceu-lhe vários paliativos, entre eles a castração. A supressão da testosterona reduziria os riscos em 32%. É o que garante a medicina por evidências.

E agora, 32% é muito ou pouco, significa quantos dias a mais de sobrevida, me perguntou o angustiado amigo, sobrecarregado por um profundo sofrimento mental. A vida acabou, com essa notícia.

Qual o melhor caminho?

*Antonio Samarone (médico sanitarista)*

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