Do ópio do povo à sociedade dopada. (Por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 13 de Setembro, 2022 - Atualizado em 13 de Setembro, 2022


 

As drogas acompanham o homem. Os celtas, egípcios e sumérios era consumidores habituais do ópio. Hipócrates conhecia os tremores provocados pelo vinho. Os povos originários do Brasil consumiam o cauim.

A pós-modernidade intensificou o consumo. Não se trata de uma questão moralista, médica ou religiosa. O uso estimulado das drogas compõe um modo de vida decorrente do modelo de sociedade.

Nesse espaço, tratarei apenas do álcool. Houve uma disputa histórica de narrativas: o alcoolismo é uma doença que merece um tratamento ou uma depravação moral, que merece punição. Ou o tratamento é a forma mais eficaz de punição?

Os alcoólicos anônimos, a forma mais eficaz de controle, oscila entre os discursos de autocontrole e de patologia.

Por que o alcoolismo deixou de ser um problema de Saúde Pública, uma ameaça à sociedade? Como andam a dependência, o delirium tremens, a cirrose e a neuropatia alcoólica?

O alcoolismo tornou-se um problema médico somente a partir da segunda metade do século dezenove, passando a ser incluído entre os transtornos mentais. Antes, a embriaguez era um vício.

Além da medicalização, os alcoólatras passaram a ser “tratados” (ou segregados) em asilos de insanos. O combate ao alcoolismo gerou debates morais, econômicos e criminais. As saídas iam da prisão a grupos de alcoólicos anônimos, lares para dependentes, com promessas, em caso de abstinência.

O século XX tornou o beber descontrolado uma doença. O alcoolismo era parte da degeneração do discurso psiquiátrico e o “delírium tremens” um consequência temida. A psiquiatria propunha a prisão para os alcoólatras que procriassem ou a castração preventiva.

No século XXI o alcoolismo foi naturalizado, virou moda, virtude, até desejável.

Outra grande mudança: a maconha deixou de ser a erva maldita e virou remédio. A medicina reconheceu essa panaceia. Finalmente!

A importância econômica da indústria de bebidas alcoólicas, não permite que álcool figure entre as drogas a ser combatidas. Não é o potencial ofensivo da droga que define a ilicitude. Pelo contrário, o álcool é uma droga de uso estimulado. Artistas famosos, são elogiados como bebedores contumazes.

Ser um grande bebedor entre os jovens é uma virtude desejada e recompensada com elogios e aplausos. A lei só fustiga, cada vez menos, os que dirigem bêbados. Não tenho vistos blitz específicas.

A rede de destruição de bebidas alcoólicas (bares e botecos) é maior que a rede de farmácias e boticas.

O alcoolismo deixou de ser um problema de Saúde Pública, talvez nem exista.

Antonio Samarone (médico sanitarista).

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