Franco Basaglia (1924 – 1980). (por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 09 de Dezembro, 2022


 

Revisitando o psiquiatra italiano Franco Basaglia, percebe-se os descaminhos da psiquiatria orgânica atual sob o domínio da indústria farmacêutica. A necessidade do lucro impulsionou o consumo das drogas psicoativas. Para justificar “cientificamente” esse super consumo, a medicina produziu novos diagnósticos e, epidemiologicamente, os transtornos mentais dispararam.

A luta de Basaglia contra os grandes confinamentos em hospitais psiquiátricos, em libertar das grades dos manicômios milhares de vítimas, não contava com a dependência futura dessa gente às prateleiras das farmácias.

Os presos pela dependência medicamentosa são quimicamente privados da liberdade. A prisão deixou de ser física e passou a ser química.

O capitalismo produz mercadorias e cria as necessidades do seu consumo. Independe se as mercadorias são automóveis ou medicamentos.

A experiência de Basaglia na Itália foi importante para a luta antimanicomial no Brasil. Falo do início das Caps e da psiquiatria social – década de 1980.

No momento, a psiquiatria tomou outros rumos, tornando-se uma atividade hegemonizada pelo mercado, encoberta pela legitimidade de uma ciência encomendada.

Pinel libertou os pacientes das prisões e os colocou em outra, nos manicômios. Basaglia os libertou dos manicômios e os empurrou para a prisão da dependência dos psicofármacos. Definitivamente, a história da psiquiatria não é a história dos doentes.

A experiência de Basaglia na gestão do Hospital Psiquiátrico de Gorizia, traduzida em sua obra prima, “A Instituição Negada”, mexeu com a psiquiatria no mundo.

Basaglia exerceu grande influência no Brasil. Em 1979, no auge do hospitais psiquiátrico estatais (tipo Juqueri e Barbacena), do surgimento dos hospitais psiquiátricos privados, financiados pelo INAMPS, ele visitou o Brasil, atiçando o debate.

Franco Basaglia foi excomungado pelo mercado, deturpado, ridicularizado, para abrir as portas dessa psiquiatria americanizada, centrada na dependência dos psicofármacos. Nas escolas de medicina, se ensina até hoje que Franco Basaglia criou a anti-psiquiatria.

Concluir recentemente uma especialização em psiquiatria. Não ouvi falar em Franco Basaglia. O modelo de atenção atual da psiquiatria não me convenceu.

A ciência ensinada nos cursos de medicina afirmava que Basaglia negava a loucura, pregava a sua inexistência. Basaglia nunca negou a doença mental. “A loucura existe, é parte da condição humana. Como existe a razão, existe a desrazão. Certamente, uma das terapias mais importantes para combater a loucura é a liberdade.” – Basaglia.

A política de saúde mental do governo Bolsonaro destruiu a rede assistencial centrada nos CAPs e nas ações preventivas. Abriu espaço para as instituições controladas por políticos e evangélicos políticos. Na ausência de alternativas, essas instituições se tornaram o último refúgio para os dependentes. Os novos manicômios possuem as mesmas mazelas dos antigos.

Não estou acompanhando, nem imagino os caminhos da saúde mental no futuro governo Lula.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

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