Janeiro Branco. (por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 09 de Janeiro, 2023


 

Janeiro Branco é um movimento em defesa da Saúde Mental. O mote desse ano, “A vida pede equilíbrio” foi infeliz, remete a versão de que a explosão epidemiológica dos transtornos mentais, deve-se aos desequilíbrios individuais. É a psiquiatria de mercado.

É superficial insinuar que a gênese dos transtornos mentais são majoritariamente a resultante dos desequilíbrios pessoais. Não enxergar que a base do sofrimento mental pode ser, ao contrário, a insistência na luta pelo equilíbrio, que a vida pede e a vida nega, numa sociedade hostil e desequilibrada.

Ignorar os aspectos sociais dos transtornos mentais é uma imposição do mercado.

A psiquiatria no Brasil nasceu com a criação do Hospício Pedro II, em 1852. A gestão foi entregue aos religiosos da Santa Casa de Misericórdia. Somente com a República, 1890, o Pedro II virou o Hospital Nacional dos Alienados e a administração foi entregue aos médicos.

O conto o “Alienista”, de Machado de Assis, traça um perfil profundo do Pedro II.

Em 1881, foi criada a cadeira de Doenças Nervosas e Mentais nas Faculdades de Medicina. Somente em 1912, a psiquiatria se tornou uma especialidade autônoma.

O Hospital Nacional dos Alienados era uma casa de detenção para os loucos. Somente a partir de 1903, com a nomeação de Juliano Moreira, em substituição ao médico sergipano Antonio Dias de Barros, foi introduzida no Hospital a psiquiatria orgânica, da Escola Alemã de Emil Kraepelin.

A psiquiatria no Brasil patinou na obscuridade nos primeiros 30 anos. Em 1923 foi fundada no Rio de Janeiro, a Liga Brasileira de Higiene Mental, de inspiração eugênica. A liga publicava a revista “Archivos Brasileiros de Hygiene.

Eugenia é o estudo dos fatores socialmente controláveis para o aperfeiçoamento das raças da gerações futuras. Foi a concepção usada pelos nazistas para defenderem a pureza dos arianos.
Na psiquiatria, a concepção organicista de Kraepelin legitimava as medidas eugênicas.

Nessa psiquiatria organicista, a vida psíquica tem base biológica, acredita-se na existência de raças inferiores, que deveriam submeter-se a uma seleção, para o aperfeiçoamento e eliminação dos caráter psicossociais indesejáveis.

A limpeza eugênica aconselhava a esterilização dos doentes mentais, para evitar-se a propagação do mal. À época, a igreja católica reagiu contra as esterilizações dos doentes mentais.

Ulysses Pernambucano de Melo, da escola do Recife, também foi contra a higiene social de raça.

Em 1934, na Alemanha, foi aprovada uma lei tornando a castração obrigatória dos doentes transmissores de “taras”, dos degenerados.

O alcoolismo foi uma doença tratada na lógica eugênica. Segregar e esterilizar os alcoólatras, para evitar os descendentes degenerados, era um protocolo da Liga Brasileira de Higiene Mental.

“É um dever da classe médica chamar a atenção dos legisladores, pedir leis que abrandem essa praga social” – Franco da Rocha.

As ações preventivas da psiquiatria enfocavam a castração, controle da imigração, casamentos eugênicos, com exames pré-nupciais.

Com esses antecedentes eugênicos, convenhamos, a psiquiatria de mercado é bem mais civilizada.

Viva o janeiro branco.

A escolha da cor, teve a influência do passado eugênico da psiquiatria? Não sei!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

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