O Lava-Pés. (por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 22 de Janeiro, 2023



 

Como revisitar o passado, entendê-lo, desfrutá-lo? A história limita-se aos fatos e dados que deixaram registros documentados, ou seja, quase nada da vida, do cotidiano, dos valores, das crenças, dos costumes e das subjetividades.

Na falta de registros isentos, a história recorre aos jornais da época. Nunca entendi. Basta observar o que os jornais escrevem na atualidade. O que são notícias? São versões interessadas dos ocorridos. Longe da realidade!

Como recuperar essa memória? A arte e a cultura visualizam melhor o passado, em sua complexidade. A imagem mais profunda de Portugal, na segunda metade do Dezenove, encontra-se na obra de Eça de Queiroz, a profundidade da vida nordestina em Gilberto Freire e Câmara Cascudo.

Estou dizendo: é na sensibilidade dos artistas, nas tradições, na linguagem que podemos recuperar parte da memória da vida passada.

O fuxico é o motor da história.

Nunca entendi os critérios das igrejas nas escolhas dos meninos que participam da celebração do lava-pés, na Semana Santa. Uma rememoração da última ceia, quando Cristo lavou os pés dos apóstolos.

Eu era uma rato de igreja. Um catecúmeno assíduo aos atos e celebrações. Esperava ansioso o convite para o lava-pés. Nunca fui lembrado. Nunca fui anjo de procissão.

Observava os meninos escolhidos e me perguntava: como eles foram selecionados, quais os critérios? Depois de meio século, acabo de descobrir:

“A seleção dos que iriam ao lava-pés, (em Itabaiana), era prioridade de Dona Maria de Joãozinho do Vapor. Ela escolhia os doze, entre os seus mais de trezentos afilhados, e os arrumavam de modo idêntico aos apóstolos da Última Ceia.” – Dr. Luiz Carlos, citado por Vladimir.

Acabou a minha aflição. Eu não era afilhado de Dona Maria Tavares, uma grande doadora para as obras da igreja. Passei a infância com os pés sujos.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

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