Rua do Fato, 60. (por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 10 de Fevereiro, 2023 - Atualizado em 10 de Fevereiro, 2023

 

 

Recebi logo cedo essa foto de Itabaiana, de um aluno da medicina. De primeira, não identifiquei o local e perguntei: qual é a rua?

Ele de imediato: é o calçadão.

Eita! É a idade. Eu morei nessa primeira rua perpendicular, Rua Itaporanga, 60. Ele deu uma risadinha irônica: “Rua do Fato, né?” É!

Sou cria do Beco Novo, rua de pobres, no fundo da Matriz. Rua, segundo Almeida Bispo, que já foi a entrada da cidade, por onde Santo Antonio fugia da Igreja Velha. Rua que já foi o caminho para o campo de futebol, o antigo Etelvino Mendonça.

Mas sempre foi um Beco. Morava de aluguel, em casa de rancho.

Papai arrumou um dinheirinho e saiu procurando uma casa para comprar. Tudo cara, acima das possibilidades. Arrumou uma em conta, na Rua do Fato.

Foi um dilema. Logo na rua das fateiras! Fomos conhecer. Uma rua larga, onde o esgoto corria a céu aberto. O acesso, era por cima de pedras, para não sujar os pés. Uma rua de gente mais pobre.

O preconceito é universal.

Há, tinha um ponto positivo: era perto do Murilo Braga.

Mudamos para a Rua do Fato, 60. Uma casa estreita, escura, de quintal comprido, mas era nossa. Eu tinha 15 anos, quando fomos morar em casa própria.

Bons vizinhos, gente humilde, cheia de solidariedade. Dona Neuzete, os gordos (Thiago, Tota e Cacau), filhos de Dona São Pedro, Dona Eliete, a mãe de Jiva, Zé Antonio e Cori. Jiva, a mais traquino, preso por homicídio, era afilhado de papai.

Entre os vizinhos da Rua do Fato tinha Chico Carroceiro, que não tirava um cigarro de palha da boca, sempre sorridente; defronte existia o depósito de verduras de Joãozinho de Culino, onde o meu irmão Luiz trabalhava.

Parede e meia, morava Dona Djanira, a mãe de Roberto, Pitu e Dego, ainda tinha uma menina que eu não lembro o nome. Na outra casa morava Tereza do Hospital, uma morena alta e muito prestativa.

Na esquina, era a casa do famoso Candinho, alta patente da Chegança Santa Cruz, de Seu Zé de Biné.

Candinho era o líder cultural da rua. Só calçava sapatos em dia de eleição. Só ia votar pronto, como se fosse para uma missa.

Candinho me ensinou o valor do voto.

Certa feita falaram que um Terreiro de Xangó ia se instalar na rua, foi um alvoroço.

Peço desculpa de quem esqueci. Falta muita gente.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

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