A medicina dos curiosos. (por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 21 de Fevereiro, 2023


 

A gente celebra a origem grega da medicina, filha da escola Hipocrática. A medicina brasileira nasceu nos mosteiros de Coimbra, uma medicina religiosa, filha da “Contra-reforma”. Um dos professores da medicina portuguesa chegou a Papa.

O Brasil foi o império dos curandeiros, sangradores, cirurgiões barbeiros, comadres aparadeiras, xamãs e charlatões. Os últimos sobreviveram, infestando os consultórios. A medicina de mercado acolhe os charlatões.

Vivemos uma dualidade: a arte médica humanista, com bases científicas, convive com a medicina mercantil. É necessário a separação do trigo. Muito charlatães são bem-sucedidos, acumulam fama e riqueza.

Alcancei o doutor Zequinha já idoso, um dentista com grande prática. Contava-se, que antes ele partejava e reduzia fraturas.

Zequinha guardava em sua estante, dois clássicos da medicina colonial: “Tratado Único da Constituição Pestilencial de Pernambuco”, de João Ferreira Rosa e “Tratado Único das Bexigas”, de Simão Pereira Mourão.

O doutor Zequinha prestou grandes serviços aos banguelas de Itabaiana. A dor de dente era epidêmica. Hoje, parece que acabou. Nunca mais ouvi alguém se queixando.

Antes do boticão, a dor de dente era clinicamente aliviada com guaiacol. Queimava até as tonsilas.

O doutor Zequinha é membro fundador da Academia Itabaianense dos Esquecidos.

Certa feita, o boticão voou das mãos de doutor Zequinha, na pressa, o paciente ainda com a boca aberta, ele apanhou o instrumento e voltou a lide. O paciente questionou: “seu Zequinha, o senhor não vai esterilizar o boticão?” Ele, seguro, em sua larga experiência, respondeu: “Não! Nenhuma bactéria resiste a uma pancada com o fórceps odontológico (boticão) na cabeça.”

Doutor Zequinha arrancava dentes por empreitada. O filho de uma rico fazendeiro, com fama de somítico, foi arrancar dois dentes. Pelo preço de tabela, duzentos mil reis cada. Seu Zezé, o pai do paciente, deu uma nota de quinhentos reis e esperou o troco. Doutor Zequinha não teve os cem, para o troco. A solução foi simples: Seu Zezé, pensando na economia, mandou arrancar outro dente pelo troco.

Quem não enxerga racionalidade nessa medida, não sabe que a meta de quase todo mundo, era arrancar os dentes para colocar uma dentadura, uma chapa, como se dizia.

Em Itabaiana, se vendia dentaduras prontas na feira, dentro de uma urupema. O freguês ia experimentando, até encontrar a sua. Se a prótese ficasse um pouco folgada, usava-se corega pó.

Doutor Zequinha é um injustiçado, eu não me lembro nem o seu nome completo. Não sei se existe uma praça, avenida, rua com o seu nome em Itabaiana. Se não existe, ainda é tempo.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

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