Patrimônio Cultural. (por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 06 de Março, 2023



 

“Todo trabalho do homem é para a sua boca.” – Eclesiastes, VI, 7.

Passando pelo Barro Preto, avistei uma bela roça de amendoim, cuidada só por mulheres. Todas com blusas em mangas compridas, chapéus de longas abas e as caras brancas de tapioca. As agresteiras sabem se proteger do sol.

As índias costumavam plantar amendoim (menduí, mendombi, mudubim). Entre os Tupinambás, era um trabalho feminino.

“Dos amendoins temos que dar conta particular, porque é essa coisa, que não se sabe haver senão no Brasil, os quais nascem debaixo da terra, onde se plantam a mão, um palmo um do outro... Plantam-se esses amendoins em terra solta e úmida, em qual a planta não entra homem.” – Gabriel Soares de Souza (1587)

A Lei 7.682/2013, definiu o amendoim como patrimônio Imaterial do Estado de Sergipe. O amendoim cozido, na forma e jeito sergipano, que entope as feiras. O projeto foi da grande deputada Ana Lúcia.

Eu gosto mais de amendoim torrado, tostado no forno.

Antigamente, os amendoins torradinhos, caramelados ou não, eram vistos como guloseimas e vendidos pelos meninos nas ruas.

Em Itabaiana se faz até beijus de amendoim, uma invenção local.

O amendoim compõe a mesa das festas juninas, principalmente cozido.

O meu primeiro doce foi a espeça, ou espécie, da bodega de Dona Rosita. A espeça é um doce de amendoim que leva pimenta do reino, cravo, canela, erva doce, gergelim e açúcar preto. Uma herança árabe. Muita gente culta chama o doce de “espécie”, ou seja, feito com especiarias.

Em minha infância este doce chamava-se de espeça ou espessa. É um doce de origem árabe, em extinção. As doceiras desaprenderam.

Parece que em cada lugar, se faz o doce de origem árabe de um jeito diferente. Até os nomes são muito variados.

Uma amiga comprovinciana não encontrou as espeças, na receita antiga, nem na feira de Itabaiana. Saudades da deputada, para transformar também as espeças, em patrimônio cultural.

As espeça não tem nada a ver com as paçocas, que se vendem em supermercados. Aliás, tenho procurado sem sucesso as tradicionais “espeças”. As últimas, saboreei gulosamente numa festa da família Pinheiro, em Itabaiana.

Encomendei-as recentemente a uma doceira de Itabaiana, que vende na feira do Augusto Franco. Ela disse-me que sabe a receita original, que a sua avó sempre fazia. Estou aguardando. Talvez seja o sabor doce apimentado mais presente em minha memória.

Não sei dizer se as demências também apagam as lembranças dos sabores.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

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