Caboclo Falador (Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 21 de Maio, 2023



 

A fala é a rainha das linguagens. É pela fala que o espírito humano chega aos seus maiores voos. Não são as imagens, músicas, mímicas, escritas, poesia, nada se aproxima da fala.

Uma boa conversa com gente inteligente é um espaço sublime dos grandes talentos. No princípio foi o verbo. Creio que no Paraíso são enormes rodas de conversas.

É a fala que cria as narrativas. A fala permitiu uma revolução cognitiva. A fala é uma linguagem capaz de transmitir o que não existe. A fala criou lendas, mitos, deuses e religiões. O sapiens venceu contando histórias.

Não troco uma conversa, bem-humorada e inteligente, por nada: filmes, concertos, exposições, shows musicais, cultos, talvez o teatro se aproxime. O disse me disse é o ápice do espírito humano. A fofoca é um gênero artístico injustiçado.

Desconfio dos calados e dos sonsos. A evolução nos impôs uma boca única. Um erro grosseiro. No mínimo, quatro ou cindo bocas.

Quando os humanos se juntam, sem hierarquia, todos querem falar ao mesmo tempo. Vira um algazarra. Muitas vezes fingimos que estamos ouvindo, para conquistarmos o direito da fala.

Pagamos para falar. A ida ao psicanalista é um bom exemplo.

Quem quiser parecer simpático num primeiro encontro, ouça o outro, de preferência, ouça e finja concordar. A sua imagem será admirada.

Sem a fala não haveria a revolução cognitiva.

Seu Pedro da Matapoan teve um filho, Saulo, com um déficit cognitivo acentuado. O que antigamente era chamado de oligofrênico, idiota, retardado, apoucado. O menino passou a ser vítima de zombarias, perdeu o sossego.

Seu Pedro chamou o filho e aconselhou: Saulo, eles só sabem das suas limitações por que você fala, e todos percebem. Se você ficar calado, será normal como todo mundo. Saulo entendeu e calou!

Formou-se em medicina, e tornou-se um médico afamado e de poucas palavras.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

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