A REVOLUÇÃO VERDE NÃO RESISTE AO FUTURO: O CERRADO por Clayton Campagnolla e Manoel Moacir Costa Macêdo

Manoel Moacir, 22 de Julho, 2022 - Atualizado em 22 de Julho, 2022

A receita da Revolução Verde tem como relevante exemplo no Brasil, a conquista do Cerrado brasileiro. Bioma responsável por quase metade das safras anuais de grãos. Não estão contabilizadas as externalidades lastreadas na maximização dos fatores tradicionais de produção, "terra e trabalho” por insumos químicos, sementes geneticamente melhoradas, máquinas e equipamentos agrícolas. Aumentar a produção e produtividade das lavouras e criações de modo linear. Políticas públicas de ciência, tecnologia, assistência técnica, crédito e inserção no mercado global das commoditieis agrícolas foram ofertadas. O Cerrado, até os anos setenta eram inexplorados comercialmente. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA, um dos exemplos do patrocínio estatal, disponibilizou uma de suas valorosas unidades de pesquisa, a EMBRAPA Cerrado, como fez com a EMBRAPA Soja, para a geração de tecnologia para esse específico bioma.

Áreas virgens do Cerrado foram incorporadas à produção agropecuária pela adoção de novas variedades de plantas e raças de animais, correção da acidez, fertilizantes sintéticos, disponibilidade de água, agroquímicos, máquinas e equipamentos agrícolas. Soluções foram adotadas aos desconhecidos “veranicos”, que exigiam irrigação no tempo e quantidade certa, e variedades adaptadas ao estresse hídrico. O consumo de água na produção agropecuária coloca esse setor como o de maior consumo hídrico, entre os demais setores da economia.

Nas últimas três décadas, o Cerrado vem sendo devastado pela expansão da fronteira agrícola para a produção de grãos e carnes. Atualmente, a cobertura pelas plantas retorcidas representa apenas 20% em relação à área original de aproximadamente dois milhões de km2. Somente em 2020 foram desmatados 7.300 km2. No Cerrado, foi viabilizado um território de expressiva produção agropecuária, o MATOPIBA - arranjo territorial para a produção de grãos nas fronteiras agrícolas dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

Os interesses da “Revolução Verde” ultrapassaram os produtos agropecuários, para alcançar o processamento de alimentos. Interdependência entre a agricultura e indústria. Acesso aos alimentos processados a preços competitivos, e estimulos à ingestão de alimentos com conservantes, aditivos, sal, açúcar e gorduras saturadas. Exemplo de nutrição inadequada e crescente obesidade na população. Mazelas no padrão alimentar do brasileiro junto com a fome aguda.

A produção agropecuária, a partir da “modernização da agricultura”, explorou as potencialidades da planta e do solo, como se fossem estruturas apartadas do equilíbrio harmonioso da natureza. A monocultura predomina no Cerrado, ao invés de arranjos agroflorestais ou a recente Integração-Lavoura-Pecuária-Floresta - IALPF, que se mostram mais adequados à produção sustentável. Monocultivos em grandes áreas, dependentes do uso intensivo de insumos químicos, aumentaram a ocorrência de pragas e doenças de plantas, reduziram a biodiversidade, elevaram os riscos à saúde dos trabalhadores e fragilizaram a autonomia dos produtores pela incapacidade de multiplicar por mais de um ciclo produtivo as sementes melhoradas. A mecanização agrícola dispensou a mão-de-obra e gerou o êxodo rural que potencializou as favelas na periferia das cidades. O uso de agrotóxicos no controle de pragas, doenças e plantas invasoras aumentou os riscos à saúde humana e gerou desequilíbrios na flora e fauna. A aplicação de fertilizantes sintéticos e o uso intensivo dos solos contribuíram para a redução da sua biodiversidade e aumentaram a incidência de patógenos de plantas.

Os pacotes tecnológicos nessa lógica, potencializaram o aquecimento global e excluíram a maioria dos pequenos agricultores de acesso ao crédito e inovações tecnológicas apropriadas, portanto mais suscetíveis aos riscos climáticos e de mercado. A pandemia da Covid-19, no avesso da “Revolução Verde”, patrocinou a nascente revolução agrícola, a chamada “Saúde Única”. Produção e consumo em linha com a sanidade vegetal e animal, saúde dos trabalhadores, operadores e consumidores de alimentos. Os esperados indicadores serão o da saúde, meio ambiente, legalidade, ética, procedência dos produtos e modo de viver e produzir dos produtores rurais.

 

Clayton Campagnolla e Manoel Moacir Costa Macêdo são engenheiros agrônomos e respectivamente ex-presidente da EMBRAPA e ex-dirigente de Unidades Descentralizadas e Central da EMBRAPA.

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