AGRICULTURA ORGÂNICA: RUMO A UM NOVO PARADIGMA por Clayton Campagnolla e Manoel Moacir Costa Macêdo

Manoel Moacir, 26 de Agosto, 2022 - Atualizado em 26 de Agosto, 2022

 

 

O modo de produzir mercadorias ultrapassa as práticas mecânicas do processo produtivo. Envolve fatores históricos, sociais, econômicos, políticos e antropológicos, entre outros. Inclui os complexos condicionantes da “produção ao consumo”. Define ainda as estruturas do viver e produzir em determinado tempo e lugar.

 

A produção agropecuária brasileira, centrada no dominante modo de produzir das commodities do agronegócio brasileiro, a exemplo da soja, do algodão, do milho e das carnes comercializadas no mercado global, é regida pela lógica da “Revolução Verde”. Aumento linear da produtividade das lavouras e criações, uso de tecnologias intensivas em capital, a exemplo de sementes geneticamente modificadas, fertilizantes sintéticos, agrotóxicos, máquinas e práticas agrícolas apartadas dos valores autóctones dos produtores rurais, familiares e o meio social onde vivem, trabalham e produzem. Versão do paradigma positivista, substanciado nos sentidos sensoriais e vigente há mais de três séculos.

 

A alteração desse modo de produzir exige a “quebra de paradigma”, analogia à teoria das “Revoluções Científicas”, no caso o “paradigma dominante do agronegócio”. Na teoria de Thomas Kuhn a substituição de um paradigma por outro prescinde de mudanças governamentais esporádicas, mas decorre de “anomalia e crise” do paradigma vigente, até o ascender de um novo paradigma. Para o cientista social Jessé Souza, na obra “Brasil dos Humilhados” [...] “quase sempre, temos uma visão idealizada da única vida que temos de modo a legitimá-la e poder seguir vivendo”.

 

A quebra de paradigmas não é automática. Por um determinado tempo, eles convivem até à inexorável substituição. A mudança do agronegócio para a agricultura orgânica com processos agroecológicos de produção, expressa a substituição do velho por um novo paradigma. As justificativas ultrapassam a ciência, para envolver a política, a ética, o lobby e a economia, num acordo tácito entre as partes interessadas. O agronegócio é dominante, mas apresenta fraquezas, nas palavras de Kuhn são as “crises e anomalias”, a exemplo das externalidades ambientais, da insegurança alimentar, da contaminação do meio ambiente e dos alimentos, da concentração de renda e poder e de um novo padrão alimentar imposto pelos consumidores especialmente dos países desenvolvidos. O novo paradigma em perspectiva - a agricultura orgânica e a produção agroecológica - dispensa o pacote tecnológico intensivo em capital e o reducionismo produtivista. Ao contrário, acolhe a diversidade, o trabalho, a história, a sociologia, o meio ambiente e os valores materiais e imateriais dos viventes em seu ambiente de trabalho e de viver. O tempo de sua emergência não é conhecido, mas as evidências mostram a sua atual força.

 


Cientistas, pesquisas, publicações, financiadores, cursos, associações, seminários, debates e referências no mercado de capital como a sigla em inglês de ESG (meio ambiente, social e governança) e os títulos verdes, são evidências do enfraquecimento do velho paradigma. Outros destaques, são os dados de 2019 do último relatório da Federação Internacional de Movimentos de Agricultura Orgânica - IFOAM, presente em 117 países, mostrou que a produção da agricultura orgânica no mundo ocupa 72,8 milhões de hectares. Nos últimos vinte anos a área com agricultura orgânica aumentou 555%, ou seja, mais de seis vezes. Em 2019, houve um aumento de 1,1 milhão de hectares, ou 1,6 % na área de agricultura orgânica no mundo. O mercado de alimentos orgânicos atingiu a cifra de cem bilhões de euros, em 2019, sendo que os Estados Unidos contribuíram com 44,7 bilhões de euros, ou 42 % do mercado global, seguido pela Alemanha, com 12 bilhões de euros, e a França com 11,3 bilhões de euros. A Austrália possui a maior área com agricultura orgânica, de 35,7 milhões de hectares, seguida pela Argentina e Espanha, com respectivamente 3,7 e 2,4 milhões de hectares.

 


A tendência é o aumento significativo da agricultura orgânica no planeta devido a mudança climática, a degradação ambiental e a melhor qualidade nutricional dos alimentos. O Brasil ainda possui uma área reduzida com agricultura orgânica, em torno de 1,3 milhão de hectares, mas existe um grande potencial para o seu crescimento. A prioridade é enfrentar a fome de trinta e três e milhões e a insegurança alimentar de mais de cem milhões de brasileiros e brasileiras. As recordes safras agrícolas não escondem nem a “crise e nem a anomalia” do paradigma vigente do agronegócio e menos ainda a incapacidade dos nacionais comprarem comida pela abismal desigualdade social. Enquanto isso, a agricultura orgânica pede passagem.

 


Clayton Campagnolla e Manoel Moacir Costa Macêdo são engenheiros agrônomos e respectivamente ex-presidente da EMBRAPA e ex-dirigente de Unidades Descentralizadas e Central da EMBRAPA.

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