A AGRICULTURA ORGÂNICA PEDE PASSAGEM Clayton Campagnolla e Manoel Moacir Costa Macêdo

Manoel Moacir, 02 de Setembro, 2022 - Atualizado em 02 de Setembro, 2022

 


A substituição de um paradigma por outro, conforme a teoria das “Revoluções Científicas” de Thomas Kuhn, requer o tempo para o estabelecimento de “crises e anomalias” do paradigma vigente, e a substituição do velho pelo novo paradigma. Evidências atestam que a agricultura orgânica e suas correlatas, como agroecologia, agricultura biodinâmica, permacultura e agricultura regenerativa, entre outras, podem se constituir no paradigma substituto do agronegócio. O tempo não é o da política partidária e nem de governos, muito menos de desejos, sonhos e crenças, mas da tácita concordância de seus defensores.
Evidências não faltam. A União Europeia - UE revelou que, em 2020, a Áustria, Estônia, Suécia e Itália tinham respectivamente 25%, 22%, 20% e 16% de sua área agrícola com agricultura orgânica. A França, Itália, Alemanha e Espanha foram os países europeus com os maiores aumentos em área com agricultura orgânica de 2012 a 2020, acréscimos de respectivamente 144%, 80%, 66% e 39%. A UE estabeleceu como meta para 2030 a ampliação da área de produção orgânica em 25% do total da área agrícola.
A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura - FAO, implantou a plataforma em agroecologia, espécie do gênero da agricultura orgânica, com o objetivo de fortalecer as políticas públicas, disseminar conhecimento, desenvolver evidências científicas, dados estatísticos, melhores práticas, metodologias e ferramentas que apoiem as práticas agroecológicas. Entre as iniciativas, destaca-se a “Avaliação de Desempenho da Agroecologia” para medir o desempenho multidimensional dos sistemas agroecológicos nas dimensões econômicas, sociais e ambientais, gerando uma base global de evidências. Argentina, Peru, México, China, Itália, França e Quênia estão testando essa ferramenta em seus sistemas produtivos.
A pandemia da Covid-19 traz novos desafios devido ao aumento da desigualdade, preços elevados dos alimentos, efeitos das mudanças climáticas, riscos à saúde humana e exigência por alimentos saudáveis. Com a diminuição das exportações de grãos e fertilizantes pela Rússia e Ucrânia devido à guerra, cresceram os preços dos cereais bem como os custos de produção de alimentos devido à alta nos preços dos fertilizantes. Estes e outros aspectos evidenciam a

necessidade de transformação das cadeias agroalimentares, com foco holístico nos componentes econômicos, sociais e ambientais da sustentabilidade.
Nessa contingência, realça a agricultura orgânica como alternativa. O processo de transformação é lento e gradual, mas é inexorável, como generalizou Kuhn na teoria da quebra dos paradigmas. O caminho é longo e requer apoio e participação das representações públicas e privadas, da sociedade e principalmente dos locais. Dentre as medidas para expandir a agricultura orgânica, destacam-se: a) políticas públicas que apoiem a transição, a exemplo das estratégias de adoção do pacote tecnológico da “Revolução Verde”; b) feiras e circuitos curtos de comercialização para facilitar o acesso da população local aos alimentos saudáveis e preços mais acessíveis, reduzindo o consumo de alimentos processados; c) pesquisa, desenvolvimento, fomento e inovação para desenvolver e validar as tecnologias e práticas da agricultura orgânica e correlatas; d) respeito ao conhecimento, cultura e valores locais dos agricultores e e) sistemas digitais de informação de fácil acesso aos agricultores.
Na Argentina, por exemplo, trinta municípios aderiram à “Rede de Municípios e Comunidades que fomentam a Agroecologia” - RENAMA, numa área de 100 mil hectares de campos agroecológicos de cultivos extensivos com pastagens, trigo, milho, aveia, cevada, centeio e soja. No Brasil, exemplos existem, mas o desafio é ao mesmo tempo superar a fome de trinta e três milhões e a insegurança alimentar de mais de cem milhões de brasileiros e brasileiros e substituir o modelo de produção agrícola reducionista e produtivista por uma agricultura sustentável e inclusiva dos produtores familiares. Comida existe, a carência é de renda dos pobres para comprarem alimento.
Cabe destacar que mesmo as commodities agropecuárias de exportação sofrem pressões dos mercados externos quanto à rastreabilidade do desmatamento, degradação da biodiversidade e emissão de gases do efeito estufa. Crises e anomalias ao modo de produção do agronegócio, como as barreiras às exportações devido às exigências ambientais, sociais e éticas, enfraquecem o paradigma vigente e geram a oportunidade para a sua substituição por sistemas produtivos sustentáveis.


Clayton Campagnolla e Manoel Moacir Costa Macêdo são engenheiros agrônomos e respectivamente ex-presidente da EMBRAPA e ex-dirigente de Unidades Descentralizadas e Central da EMBRAPA

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