UM ANO SEM PADRE JOÃO

Por Jerônimo Peixoto

Jerônimo Nunes Peixoto, 17 de Junho, 2022 - Atualizado em 17 de Junho, 2022

UM ANO SEM PADRE JOÃO

Há exatamente um ano, estávamos nos despedindo do nosso caro e bom Padre João Batista, Profeta da Verdade do Evangelho, que doou sua vida pelo Reino. Tendo passado longos anos à frente da comunidade de Santana, no popular conjunto Mutirão, na Serrana Bela, onde se fez pastor, orientador e profeta da Vida e da Verdade, teve o curso de sua existência interrompido pelo mal da covid-19.

Padre João era sui generis, com uma personalidade própria, com um carisma especial para a didática, via pela qual se dedicou ao magistério, na sala de aula, repassando conhecimento, levando a refletir, e não apenas reproduzindo o sistema. Era afiado, quando assunto pendia para a atuação de nossos políticos. Também tinha língua felina, em assuntos de vivência eclesiástica; nunca foi afeito ao tradicionalismo, mas sempre crente na Tradição da Igreja, cujo alicerce é a fé apostólica e dos Padres da Igreja (período Patrístico). Sua Filosofia era do Pós-Modernismo e sabia discorrer sobre o tecido social, com garbosa maestria.

Distinguiu-se pela coragem de ensinar, com plena e radical liberdade, o Evangelho, mesmo que suas palavras assaz penetrantes como espada de dois gumes, pudessem ferir, desgostas e, quiçá, desmascarar alguns de seus interlocutores ou simples ouvintes. Com as autoridades eclesiásticas, não era diferente: quem não o quisesse ouvir, que não o provocasse. Sentindo-se incomodado, ele prorrompia em assertivas tão reais que poderiam mesmo fazer desvanecer o bispo, ou o superior imediato, de suas proposituras.

Procurou se manter do seu próprio trabalho, para não ser pesado a ninguém, à semelhança do Apóstolo dos Gentios que, nas horas vagas, era tecelão, para se fazer um com todos, sem ser sinônimo de explorador, embora cônscio de que o operário merece o seu salário. Nasceu pobre, viveu pobre e morreu pobre, mas nunca passou necessidade, nem esbanjou ou apresentou vida desenfreada. Era autônomo, senhor de si, embora devotado ao Senhor da Vida.

Com o padre João ninguém barganhava... ele não se permitia o ludíbrio, a chantagem. Era, no dizer popular, curto e grosso, sem qualquer preocupação com o brio arranhado de alguém. Porém, quem com ele viveu, ou que o conheceu de perto, sabe muito bem que era autêntico, mas de um coração generoso, compreensivo e acolhedor. Sua simplicidade de vida era um testemunho da proposta do Evangelho.

Intensamente acanhado, por sua dificuldade em falar sem gaguejar, preferia não estar em todas, pois se sentia tolhido pela dificuldade que a vida lhe impôs. Embora padecesse dessa falta, tal qual Moisés, ou Jeremias, não olvidou o dom da profecia, em seus pronunciamentos. Por vezes, era mordaz, na forma, mas lúcido no conteúdo. Tinha especial predileção pelos pobres e lutava por justiça social. Sonhava com um mundo fraterno e solidário.

Homem de vasta leitura, procurava aprender para discutir, com muita solidez, sobre economia, política, filosofia, educação e teologia. Era um venerando educador, ao tempo em que se mostrava descontente com a metodologia que a escola tradicional adotava. Não queria ver os jovens recebendo conteúdos pré-fabricados, destituídos do pensamento crítico. Gostava de fazer pensar, de despertar, na juventude, o gosto pela crítica à realidade posta ou, por vezes, imposta. E, embora falasse com certa dificuldade, possuía uma resposta pronta para qualquer situação.

Certa feita, a autoridade começou a impor certas condições para que alguém tivesse um colóquio pessoal. Tinha de estar trajado a rigor. Padre João, com sua roupa costumeira, dirigiu-se ao encontro da autoridade que, por motivos de saúde, já não reconhecia a todos, como antes. Ao dirigir-se ao encontro da referida Autoridade, Padre João não estava com as vestes exigidas. Antes dele, porém, certo Monsenhor havia se encontrado com o insigne dirigente. Ao ver o padre João, sem as exigidas condições, perguntou-lhe: você é padre? Ao que o Padre João respondeu: - Não! Sou o motorista particular do Monsenhor! Ato contínuo, entrou na sala e tratou do assunto que desejava, sem qualquer represália, pois sua rápida resposta fez o diretor acreditar que se tratava de um colaborador de baixo escalão. Quando um colega o indagou sobre a proeza, ele respondeu: dizem que ele está sem conhecer as pessoas.... aproveitei o ensejo; não faço diferença mesmo.

Os profetas morrem, mas a profecia continua viva, sem qualquer abalo, mesmo desprezada por quem deveria trazê-la na ponta da língua. Elizeu, o homem de Deus, ao assistir a partida de Elias, o Profeta, pediu-lhe que lhe derramasse o dobro do espírito profético, e assim Elias o fez (2Rs2,9). É uma imagem bonita, presente na Sagrada Escritura, para nos dizer que o Profeta se vai, mas a Profecia permanece viva e produzindo seus frutos, mesmo em lugares áridos e distantes.

Itabaiana conheceu o profeta Padre João. Nem sempre o levou a sério. Mas uma coisa é certa: padre Joao faz falta, e muita falta! Suas homilias certeiras, contundentes, ávidas pela conversão real, desejosas de uma prática religiosa sem fingimentos, ainda hoje ecoam aos nossos ouvidos e fazem pulsar o coração. “Ah! se rasgasses os céus e descesses! Os montes tremeriam diante de it”! Era o desejo de Isaías! Pois bem, Jesus de Nazaré, mais do que a profecia viva, rasgou o céu e desceu, para abalar as altas montanhas, fazendo de uma delas o local de seu martírio, para, sem seguida, ressuscitar vitorioso. Ele deixou o espírito profético nos sacerdotes, a fim de que o anúncio-denúnica se fizesse continuar. Padre João, tendo recebido o sacerdócio ministerial, assimilou bem o desejo de Jesus. Faz um ano que estamos sem o profeta, mas imbuídos se sua profecia.

Caro padre João, estamos com muita saudade, mas cônscios de que cumpriste o teu profetismo. o teu modesto túmulo coube um profeta. Mas o Mundo inteiro não cabe a Profecia que habitou em ti. obrigado, por teres sido sinal do amor de Deus; por seres sinal de alerta para muitos; desculpa-nos pelas incompreensões. Foste humano e, portanto, falho também. Entanto, ficará, para sempre, gravado na memória desta Urbe o rosto de um valoroso profeta. Descansa em Paz!

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