MATARAM MAIS UMA PROFESSORA

Por Jerônimo Peixoto

Jerônimo Nunes Peixoto, 29 de Março, 2023 - Atualizado em 30 de Março, 2023

                                               MATARAM MAIS UMA PROFESSORA

 

A escola é reprodutora do sistema, posto que está inserida num determinado contexto. Ela tanto influencia, como é influenciada por sua situação geográfica e histórico-cultural. Grandes pensadores da Educação, como Freire e Morin, apresentam o contexto educativo como fundamental para a boa arte de educar, de construir o sujeito que apreende e aprende.

Freire viveu buscando construir, em cada contexto, uma pedagogia do oprimido, isto é, partindo-se do contexto (da realidade), buscar uma prática educativo, que contemple os interesses do sujeito, a fim de se encontrar um método (= caminho) que o leve a interferir na realidade, mudando-a para melhor. Essa ideia, tão genial, tornou o educador pernambucano mundialmente conhecido, mas pouco valorizado pelas práticas educacionais de cunho oficial, neste imenso país chamado Brasil.

Sempre alinhavada à ideia mesma que a engendrou, a educação brasileira vem se arrastando, década a década, desde os tempos da família real, a serviço de um poder opressor, dominante que pensa o que é bom para uma classe e define os rumos da (de)formação acadêmica: forma-se para a profissão, e não para a cidadania. Quem tem poder exige que assim seja: pobres têm acesso a escolas profissionalizantes, para serem, no futuro próximo, fazedores de coisas, operários, obreiros submissos aos que determinam tais rumos.

A estratificação social, por meio da linha que separa os poucos ricos da maioria esmagadora de pobres condenados ao analfabetismo escravizante e desumano, exerce uma ideologia tão opressora que faz a “gente miúda” concordar que deva ser assim mesmo, e nunca de outra forma. Que o “seu doutor é quem sabe o que é bom para nós”. A máquina econômica que governa os negócios tem o condão de estruturar os modos e os conteúdos escolares. Saber é poder, segundo a ótica instrumental da razão. Quem sabe mais domina melhor os ignorantes...

Como nada fica sem consequências boas ou deletérias, a instrumentalização do saber, ou, dito de outro modo, a manipulação das práticas educacionais ofertadas ao mundo dos humanos acaba por gerar uma sociedade em que há os meritocratas – que ascendem ao comando e ao constante mando – e os impotentes fadados a ser mandados e comandados. Quem se rebela é tido por subversivo, comunista, esquerdista e malandro, descomprometido com as forças produtivas, com o progresso, que trarão nosso bem-estar. Mas, os que se comprometeram, só pelo fato de integrarem a classe dos comandados, nunca lograrão êxito de conviver com a satisfação pessoal, com o bem-estar social. Sempre estarão a mendigar um espaço que deveria ser, naturalmente de todos.

A desigualdade, assim previamente arquitetada, é instrumento que faz resvalar para alternativas de violência, de desespero e de ódio sanguinolento. Há, nas mais variadas experiências da sociedade, um misto de ódio e de preconceitos disfarçados, ou desvelados, num desejo incontrolável de dominação e de submissão. O tráfico de ideias, de influência, assim como o de drogas e o de armas, cumpre o único papel de fazer imperar uma ideia de dominação, lastreada na ideologia de que só é feliz quem tem, quem manda e quem leva vantagem sobre os demais.

Com a “democratização” dos meios de comunicação, as pessoas não precisam mais usar a grande mídia para ter acesso a boas e a más informações. Por isso, com a tecnologia na palma da mão, começam a difundir ideias, com o único parâmetro de que favoráveis a seus ideais de engrandecimento; influências desastrosas e altamente nocivas ao ser humano invadem a mente das crianças, dos adolescentes e dos jovens, em idade escolar.

 Se, na atualidade, o que vale como imperativo é a escolha pela munição bélica, para o enfrentamento dos inimigos, considerados estes como toda e qualquer pessoa que se oponha ao pensamento individual e à demonstração de força bruta, em substituição ao campo do debate e do discurso, essa ideia não pode ficar de fora das instituições de ensino: a violência chegou à escola, às igrejas, aos botecos de esquinas e aos barracos de feira, porque chegou às famílias. Está presente no inconsciente coletivo, nas brigas de trânsito, nas filas de banco e do INSS, nas filas dos hospitais. A frivolidade dominou a vida, a consciência e a sensibilidade das pessoas. Como a escola escaparia à onda de violência? Ela não é alheia ao que se dá em seu derredor.

Se a vida em sociedade está se tornando brutal, a escola reproduz isso com toda a certeza: Saudades, SC; Suzano, SP; Medianeira, PR; Janúba, MG; Goiânia, GO; João Pessoa, PB; São Caetano, SP; Realengo, RJ; Salvador, BA; e São Paulo, SP... Todas essas tragédias deixaram mortos e feridos. Alunos, professores e outro profissionais da educação têm suas vidas ceifadas, porque não se leva a sério o processo educativo oferecido, no país, sobretudo a chamada escola pública que, dando aso à ideia de opressão de uns pelos outros, varou toda a sua história, sem apoio, sem verbas, sem preparo, sem condições dignas para os profissionais e sem qualquer esforço da máquina administrativa.

Quando se mata uma professora que, aos setenta e um anos, ainda está na ativa, mata-se muito mais do que uma pessoa. Toda uma simbologia, uma carga de confiança nas transformações que a boa educação pode efetivar, morre com ela. É uma guilhotina sobre os profissionais da escola, sobre o aprendizado, sobre a arte de educar para a vida e para a cidadania. Não é morte de uma síngula pessoa, mas a derrocada de uma bandeira viva, de uma ideia de que, pelo saber haurido na experiência contextualizada em confronto com a diversidade de saberes, é possível, sim, descortinar um novo modo de vida.  

Que a morte da professora de ciências ELIZABETE TENREIRO não fique impune, não somente sob o ponto de vista legal, mas sob a ótica do valor devotado ao processo de aprendizagem neste imenso país. O sangue dela seja sementeira de um novo tempo para a educação brasileira. Professor não é bandido, nem objeto. É sujeito e agente de transformação. Infelizmente, mais do que uma pessoa, mataram mais uma professora!

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