A MÃO DA PRIMEIRA PROFESSORA ME FEZ CIDADÃO

Por Jerônimo Peixoto

Jerônimo Nunes Peixoto, 13 de Outubro, 2023 - Atualizado em 13 de Outubro, 2023

A MÃO DA PRIMEIRA PROFESSORA ME FEZ CIDADÃO!

Lembro-me do meu primeiro contato com a professora. Ela era jovem, elegante, bem vestida e muito bonita. Tinha um andar que parecia deslizar por sobre o espaço, visitando cada aluno, pegando-lhe a mão, ajudando-os a coordenar os movimentos com o lápis. Eu me sentia pequenino, porque não sabia tracejar, nem desenhar uma só letrinha da tantas ainda desconhecidas por mim. Além disso, a professora estava perfumada e eu, exalando o suor do recreio, quando corri sem parar, para brincar de “manja”.

Antes do intervalo, ela contou uma estória, falando sobre o encantado mundo da galinha dos ovos de ouro. Eu naveguei pelas ondas daquela estorinha, tentando aportar no quintal lá de casa, para ver se alguma das penosas tinha, deveras, ovo de ouro. Qual nada! A única coisa amarelada era a gema de alguns que quebrei, tentando ver se o ouro estava por dentro. Tomei uma pisa de minha querida mãe, pelo prejuízo que os quatro ovos quebrados causaram... nada de ouro...

Após o recreio, chegou até o meu banco escolar. Olhou-me com olhos de bondade, mansidão e ternura. Pegou em minhas mãos trêmulas e me disse: você consegue! Tente não ficar nervoso... logo você se acostumará. Acredite em você mesmo! Riu, fez-me um leve carinho no meu bracinho trêmulo e passou a mão aveludada por sobre meus cabelos crespos... Foi uma sensação nunca antes experimentada. A professora era mágica! Sabia falar com a gente de um modo delicado... sabia reclamar, pôr de castigo, mas, naquele primeiro dia, foi encantador o seu contado comigo.

Tentei tracejar, cobrindo com o lápis, o que ela havia desenhado no caderninho brochura, mas saiu do tudo torto, sem rumo e sem direção. Pensei: ela vai me xingar! Ao contrário, olhou-me, uma vez mais, tomou gentilmente a minha mão e conteve a força com que eu apertava o lápis por sobre a folha do caderno: - é assim, disse-me, que se faz, levemente, sem machucar o papel... senão ele ficará magoado...

Com uma semana, eu – ainda trêmulo, já sabia desenhar as vogais, os primeiros números, embora não acertando as trilhas indicadas pelas linhas... Com paciência, a mão amiga da professora, que segurava minhas trêmulas e ofegantes mãozinhas, fez a diferença, indicando-me longa caminhada vida afora, a fim de me banhar na lagoa da ciência, enxugar-me com o discernimento e me perfumar com o bálsamo do discurso, ou com a retórica, com o suave odor da dialética, nos acalorados debates da vida...

Minha mão parou de tremer, porque a primeira professora me deu segurança, apontou-me possibilidades, abrindo sendas e veredas antes nunca enxergadas como propícias. Fez-me ver que posso mais do que imagino, que sou situado no tempo e no espaço, no contexto do meu “sítio”, porém aberto a um mundo de incontáveis possibilidades, desde que tomasse por guia as letras e os números, instrumentos que nos emancipam e nos tornam cidadãos o universo.

O tempo passou, e eu continuei visitando a escola, a graduação, outros cursos, partilhando saberes, debatendo ideias, angariando simpatias e antipatias, admiradores e controversos adversários. Minhas mãos, porém, nunca mais tremeram por estarem escrevendo... foi um ato de superação, que aquela mulher especial, uma diva do saber e da ternura me fez empreender, dia a dia, pelas veredas da existência.

Um dia, porém, dei-me conta de que não mais as minhas, mas as mãozinhas de minha querida professora estavam ávidas por tremer... sua mente já não tinha a mesma delicadeza de se debruçar por sobre meu dorso e tomar levemente a minha mão por entre as suas... não me reconhecia, nem tinha noção de quem ela mesma era...

Tanta luminosidade, naquele rosto belo de outrora, com a firmeza da ternura de saber descortinar cidadãos e cidadãs, esculpindo-os da rusticidade de uma vida campesina, agora parecia ofuscada pelas rugas, pelas tremulantes mãos, pela incapacidade de escrever, de conhecer e de reconhecer...

Pensei: nada de brilho nela? Não pode ser... como tudo se esvaiu e se tornou inexistente naquele ser tão especial e incentivador de outrora? Ah! veio-me a resposta, a mais convincente de todas as possíveis que me passaram pela mente: a luminosidade da Professora não se esvaiu, mas se repartiu e se multiplicou, ao aquecer e iluminar todas as mentes de alunas e alunos que lhe chegaram sem nada saber e saíram de perto dela sabendo um pouco de quase tudo!

É isso! A Professora, o Professor, nunca perde o brilho, mesmo que a idade a faça tremer, desfigurar-se, perder a consciência. Ela continuará sendo luz da sabedoria, da cidadania, da dignidade... continua a ser presença de afeto, de ternura e de incentivo, pois quem partilha o saber jamais fica ofuscado.

Foi assim que a minha primeira professora me abriu caminhos para eu me tornar cidadão do universo. Obrigado, Professora querida! Em sua pessoa, nosso afeto e nosso reconhecimentos a todas as pessoas que se dedicam a ensinar. Um beijo enorme!

                                                            Jerônimo Nunes Peixoto

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