PARA O ANO EU PARO DE BEBER

A cada início de ano, planos são traçados, no afã de se chegar a uma melhoria. Afinal, o que seria da vida sem os sonhos, projetos e metas? Já dizia o poeta que viver é sonhar.

Na Cachoeirinha de Cima, bem próximo da maior curva do Jacarecica, Bastião assentou morada, no princípio dos anos cinquenta. Caboclo trabalhador, ordeiro, sem fincar butuca na vida alheia, vive só para o trabalho. Pouco depois dos primeiros raios, ele já deu ração aos bichos , tirou leite da vaquinha, fez o desjejum e se botou para a malhada, capinando, arando, semeando, colhendo, fazendo de um tudo.

É cisudo, tem um olho vesgo e o outro aparentando ser sadio; nunca olha de frente para quem o vê. Está de chapéu cobrindo a franzina testa, com cabelos despenteados e muito falhos, mas longos e esvoaçantes, como se nunca conheceram tesoura.

O que tem de esquisito sobra em coragem para a labuta. É farinheiro de mão cheia, mas só pega farinha por quarta, no tempo de verão quente, quando os afazeres da malhada cessam. Ele não tem tempo para assuntar coisa ruim. É uma fera na enxada! Nunca experimentou um gole de pinga! Era bom sujeito.

Madalena, sua senhora, nunca foi boa parideira. Quando pegava barriga, movia nos primeiros noventa dias, e não havia jeito para segurar. Já estava com Bastião pra mais de quinze anos, quando vingou o primeiro, que foi Expedito, menino alegre e festeiro, sem muita inclinação para o bem. Não fossem os correões de Bastião, ele teria dado para o que não presta, que nem uns vagabundos da cidade, que não arredam uma palha. Expedito bebia às escondidas, no fim de semana, quando não saía das bodegas da vizinhança.

Ao cabo de vinte e cinco anos de casamento, Madalena pariu vivos por umas cinco vezes, mas morreram três anjinhos e só se criaram Expedito e Aloísio. Este, o mais moço, butou-se par estudar na cidade, a contragosto de Bastião. Filho de pobre é para a malhada; a enxada é sua sina e não há do que se queixar.

Madalena, entanto, insistiu para que o menino se tornasse amigo dos livros. Se não conseguisse ser nada, teria, ao menos, a capacidade de ler e de escrever as cartas dos familiares que foram para São Paulo. Ela nunca fez um "ó" com o copo, mas sonhou em poder ver um filho estudado. Tinha uma boa ideia de que a escola empurra para frente.

Expedito, pra bem dizer, ainda nos cueiros, enrabichou-se com a vizinha, uma molecota de quatorze anos e, antes de os pais ficarem sabendo, ela apareceu buchuda. Pariu seis crias, sem completar vinte e quatro anos. Expedito, que nunca foi bom na enxada, e era bom de gole, teve de acompanhar o pai, na lavra da terra, amargando os xingamentos que Bastião disparava a cada suspiro: peste preguiçoso! Parece um garrote pra fazer filho! Criar, que é bom, necas! Ainda, por cima, enche o rabo de pinga... é um safado, sem prumo! Onde já se viu isso? Ou pára de beber, ou vai cair na miséria!

Aloísio se empregou numa firma de fora e se mudou pra longe. Vivia com sobriedade e mandava uns tostões para a mãe e para a cunhada, a fim de ajudar na despesa dos sobrinhos. Só apareceu uma vez, para o enterro da avó materna. O trabalho era exigente. Casou-se com uma moça do lugar e já tinha filhos crescidos. Tinha tenência, era landino!

Expedito, numa virada de ano, chegou landrino em casa, trocando as pernas... Bastião viu o sangue ferver e o pegou pela abertura, sacolejou-o e exigiu: - se tu não parar esse vício maldito, eu te afocinho, na lama, até ver o inferno, seu cabrunco!

Expedito resmungou: - Para o ano, eu deixo de beber, meu pai! - Essa promessa se repete a cada ano, rapaz! Tá fazendo nós de besta?
- Não sinhô! É que todo ano tem para o ano... aí eu me atrapalho todo!

Jerônimo Peixoto