UMA QUASE BIOGRAFIA (EDSON PASSOS)

José de Almeida Bispo, 16 de Novembro, 2022

 


Anteontem pela noite, depois de quase três anos na Praça Chiara Lubich, em frente ao condomínio de mesmo nome, e ao fim da avenida Rinaldo Mota teve lugar mais um grande evento cultural de mão cheia: o lançamento da biografia de Edson Passos, regado a, nada mais nada menos de mais um caprichadamente fantástico show de Amorosa.
Amorosa, em si já é um show permanente. Comunicadora nata, minha confreira na Academia Itabaianense de Letras não é uma simples e excelente cantora; ela canta, interpreta, poetisa, faz trovas, tudo planejado ou se e de vez em quando dá um banho de improviso versejado que nada fica a dever aos titãs da viola e do cordel nordestinos. Uma completa atriz que tão bem canta.
Às vezes sou levado a especular mentalmente que Amorosa não se tornou um grande nome nacional – ainda – por ser grande demais para ser embalada para consumo pelo show business.
Curiosamente a Avenida Rinaldo Mota, nascida meio tímida, quase envergonhada no finzinho dos anos 80 (nem nome já tinha), onde Edson Passos resolveu por em prática o aprendizado na construção, desde escriturário numa marmoraria justo quando estava sendo projetada a sobredita Avenida foi a ampliação do curso de outro empreendimento da expansão urbana, realizado por Euclides Paes Mendonça em 1954, tão logo chegou a BR-235, cujo leito de então é hoje a Avenida Manoel Francisco Teles: a 13 de junho, assim denominada pela Lei Municipal 136, de 30 de junho de 1955.
“V - Rua 13 de junho, que acha-se compreendida entre a Avenida Dr. Carlos Reis e a Rua Quintino Bocaiuva, acha-se localizada entre o subúrbio e a Rua do Ginásio e com prolongamento em ambos os sentidos, nascente e poente.”
Destinada, pois, a ideia, arrojados e seus timoneiros.
E sobre Edson Passos, foge-me uma categorização precisa, mas tentarei fazê-la.
O encontrei em fins da década de 1980, mais um ceboleiro lutando pela sobrevivência como a quase totalidade dos moitchapans(*). Voltei a encontrá-lo na segunda metade dos 90, já pequeno empresário no mesmo ramo, com o firme propósito de fazer um curso arquitetura, estimulado pelo agitador Altamiro Brasil (Esse moço me deve!). Sincera e interiormente desaprovei; mas como o cabra tava todo animado e no fogo posto por Brasil, assenti levemente e deixei rolar.
Pouco depois soube que entrara de cabeça no seu primeiro projeto imobiliária: o Loteamento Mandacaru.
Ideologia e dinheiro, negócios, investimentos costumam dar em divórcios litigantes e traumáticos. O nome Mandacaru eu desaprovei na hora; mas me mantive calado. Foi mais ou menos bem sucedido. Algumas ruas traçadas só agora de dez anos para cá foram efetivas, porém... o padrão de loteamento finalmente mudou. Não mais o abrir de ruas na poeira, sem pavimento, sem redes de água, esgoto, eletricidade e iluminação pública como comum até ali.
E aí o Edson “endoidou” de vez: conseguiu lançar o Projeto Chiara Lubick, loteamento e condomínio. Mais ainda: conseguiu convencer gente mais comedida que o habitual a entrar no negócio; que, honestamente, bem arriscado e meio megalomaníaco. Se não estou sendo parcimonioso.
Durante sua história, a cidade de Itabaiana, fundada em 30 de outubro de 1675 num lugar seco, originalmente chamado de caatinga nunca segurou população; e, especialmente depois da chegada da BR-235 que se converteu num posto avançado de emigrantes rumo à capital.
Ao nascer da cidade, sua única vantagem estratégica, a de ser um entroncamento das estradas das Entradas, pros sertões, e da grande estrada real, o Caminho de Sertão do Meio Olinda Salvador, quando a povoação foi emancipado de São Cristóvão, em 1697 já não mais tinha função relevante, visto que o trânsito era quase todo feito por mar, ou pelo Caminho do Mar, no litoral, obviamente. Nenhum atrativo tinha Itabaiana para segurar seus próprios filhos; muito menos para atrair pessoas de outras plagas. E assim atravessou os séculos XVIII, XIX e metade do século XX.
Com a chegada da BR-235 não mudou muito. Mais dez anos sem água encanada(mais trinta de penúria total no abastecimento); mais vinte sem a mesma BR-235 asfaltada e até 1989 o único hospital era inexpressivo.
Como dar certo um empreendimento que compreendia moradias de alto luxo, e desacostumado disso em escala maior? Já havia um caso recente; todavia bem menor, e de fato feito a fórceps. À base de ajeitamento, mais com vistas à especulação que à ocupação de rotina. O mercado teria espaço, num lugar de muito dinheiro, mas de elevado investimento na capital?
Mas deu.
A cidade que ainda exporta grande parte de sua renda, em forma de investimentos e até de pessoas mais bem aquinhoadas e profissionalmente qualificadas; no entanto reduziu essa transferência e, mesmo com o desabar da natalidade dos últimos vinte anos espera-se que quando terminar o recenseamento ora em ação, finalmente possamos passar da faixa dos 100 mil habitantes e dos cinco por cento da população estadual a que somos submetidos desde a emancipação de Ribeirópolis, há 90 anos.
Mas a importância maior dos atos do arquiteto e urbanista Edson Passos, visíveis nos condomínios por ele desenvolvidos não se resume a eles.
Como o Mandacaru foi um paradigma para a administração municipal romper com o velho estado a que estava amarrada, o Chiara e sua estrutura ecoou até além fronteiras municipais tornando-se modelo até mesmo em urbes bem mais pequenas que Itabaiana.
Era inimaginável as pistas de caminhadas das nossas avenidas – do sistema Chiara e além dele – e seu enorme movimento às manhãs e tardinhas atual há 15 anos, em 2007, pois.
A cidade ganhou enormemente em qualidade de vida.

 

O preço invisível.
Infelizmente nada se ganha sem perdas.
Desabou a especulação imobiliária (os conjuntos populares do Minha Casa Minha Vida foram a pá de cal); saímos da mesmice administrativa urbana; reinvestimos pequena parte do que iria pra fora, especialmente à capital; adquirimos novos bons hábitos, porém, infelizmente nos isolamos muito mais.
Pela natureza dos tempos e do próprio empreendimento, em geral murado, se já não se encontra amigos com a mesma frequência e, chegar às suas vivendas é constrangedor por ter que ser barrado nas sucessivas portarias. Amizades condenadas à morte.
A política dos condomínios não inventou esse apartheid; ele já vinha vindo, célere e cada vez mais acintoso à medida que a paranoia com segurança foi ganhando terreno diante da escalada da violência. Todavia, é inegável que os condomínios mais avultaram esse estado. Juntando-se com a tecnologia de comunicação, que paradoxalmente mais solidão gera, e o estado geral de insegurança, cada vez mais segmentados ficamos. E nisso até a religião influi.
Hoje temos muito mais evangélicos, segmentados em inúmeras igrejas e até a velha matriz de Santo Antônio e Almas, mãe de Itabaiana, hoje sofre a concorrência de mais outras seis paróquias. Para se analisar socialmente isso, eu nasci no povoado Mangabeira, mas que à época pertencia à Paróquia de Nossa Senhora da Boa Hora, de Campo do Brito, e assim o tinha sida desde 1845 quando a Paróquia de Santo Antônio e Almas foi dividida pela primeira vez. Como resultado de praticamente cem anos de isolamento dos fregueses de uma paróquia em relação à outra, os itabaianenses do vale do Jacaracica, Jacoca-mirim e margem direita do rio Sergipe em geral são quase todos parentes, próximos ou não; mas pouquíssimo parentesco há com o pessoal dos vales dos rios das Pedras, Traíras, Lomba e Jacoca, originalmente na Paróquia de Nossa Senhora da Boa Hora.
Todavia, “o tempo não para”, como diz o poeta pop. E, como diz o outro, “Nada do que foi será do jeito que já foi um dia”.
E, homens que realizam não podem se deter em possíveis detalhes negativos já que buscam sobrepô-los com suas ideias, bem além daquilo que se perdeu.
Ainda não li, obviamente, a trilogia que compõe a biografia do meu particular amigo Edson Passos.
Ah, e quase biografia porque definitiva somente quando se morre. E o sujeito, para usar um termo do saudoso Oviedo Teixeira está começando a engatinhar.
Compromisso vindouro.

(*) Estudos nesse sentido, não os há; não conheço. Mas tenho fortes indícios que os matapoanes (moitchapan, no linguajar popular) foram o últimos valentes a cair sob a descomunal força luso-espanhola na Conquista de Sergipe, fato que teria ocorrido ao entorno da serra do Pico; e também a base indígena sobre a qual o invasor deitou sua semente de onde surgiria um povo inteligente, resistente e até teimoso, trabalhador e empreendedor, simbolizado no primeiro deles: Simão Dias, o mameluco(filho de branco com índia), também conhecido como Francês. Dessas matapoanes quase todos nós, alguma coisa carregamos.

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