A democracia brasileira e sua sina de quarteladas

Carlos Braz, 25 de Agosto, 2022

A democracia brasileira e sua sina de “quarteladas”

Por Carlos Braz 

Diz uma regra básica do ofício de historiador, que é impossível compreender o presente sem que investiguemos o passado. Assim sendo, ao olharmos a contemporaneidade, onde um conflito institucional entre os três poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário se delineia, devemos voltar no tempo e encontrar as consequências da relação quase sempre tensa entre a politica e as forças armadas.

Se fizermos um recorte temporal desde o dia 15 de novembro de 1889, data em que através de um golpe militar impetrado pelo exército imperial destronou D. Pedro II até os dias atuais, perceberemos que as forças armadas, desde então, se comportam como tutoras do regime republicano que surgiu para remeter a pátria a um novo tempo, sob as asas da democracia representativa.

 Como veremos no decorrer desse artigo, em vários momentos da nossa história a democracia foi ameaçada por “quarteladas”, que defendiam ilegalidades, e faziam ressurgir a república da espada, do Marechal Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto.

A análise tem como resultado a identificação de um ciclo contínuo de revoltas no âmbito dos destacamentos, durante as quais os conceitos de república e estado democrático de direito nem sempre estiveram juntas.

Com o poder civil consolidado após o governo do Marechal Floriano ocorreu um período de refluxo das agitações militares, sem que isso significasse uma apatia. No início de 1922 a inquietação latente voltou ao cotidiano dos quartéis. O germe se desenvolvia entre os oficiais de baixa patente, em especial os tenentes, a espera do momento de se manifestar.  Os militares nutriam uma insatisfação com os seus salários bem como com os rumos que os políticos davam à nação, distorcendo o conceito sobre o qual se fundou a república democrática.

Suas pautas tinham o apoio dos trabalhadores civis e outros segmentos sociais.

Criticavam as práticas políticas vigentes no Brasil, tais como o poder dos latifundiários, as eleições fraudadas, a regra do café com leite, o voto de cabresto, a validação dos eleitos, entre outras. Desejavam outro Brasil

A nomeação de um civil para o Ministério da Guerra foi o estopim para a eclosão da revolta, que se deu no dia 5 de julho, e visava à derrubada do Presidente à época Epitácio Pessoa. Contudo, sem apoio dos oficiais do alto comando o movimento fracassou inapelavelmente, sendo seus líderes presos e alguns mortos.

O salvacionismo militar mostrou seus limites, mas o clima de interferência hostil não arrefeceu e as crises e posteriores ao tenentismo redundaram no golpe militar contra o governo de Washington Luís orquestrado por Getúlio Vargas em 1930, colocando um fim no período que foi denominado pelos historiadores de primeira república.

A Era Vargas marcaria seu lugar na historia tanto pelas realizações de reformas estruturais e nas relações de trabalho, quanto pela imposição de um regime de exceção, com um viés fascista e autoritário, denominado de Estado Novo.

Getúlio fechou o Senado e a Câmara dos Deputados, suspendeu os diretos constitucionais, extinguiu os partidos políticos, e escreveu uma nova constituição de acordo com seus objetivos políticos.

Utilizou vários mecanismos de controle social e estabeleceu a censura.  O seu temido DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda teve a frente por muitos anos o sergipano Lourival Fontes, e encarregado de difundir a ideologia ditatorial do Estado Novo às camadas populares.

Tortura, assassinatos de opositores e violência sem limites direcionada a quem se opôs ao governo federal foi a tônica da ditadura comandada por Vargas, que perdurou por 15 anos. Ao perder paulatinamente o apoio das forças armadas, Vargas suicidou-se no dia 24 de agosto de 1954.

A eleição de Juscelino Kubistchek foi o próximo capitulo do histórico de quarteladas. Alegando que o governo JK seria a volta do getulismo Marinha, Exército e Aeronáutica conspiraram abertamente para promover a ilegalidade que seria o impeachment do eleito, não conseguindo graças à reação do Marechal Lott, defensor da aplicação da lei.  

Com a eleição de Jânio Quadros e sua surpreendente renúncia o aparato militar reassumiu o protagonismo da cena política, desta vez de forma mais contundente e esmagadora. Destituiu João Goulart do poder, com a promessa de eleições em 1965, o que não aconteceu. A revolução de 1964, inicialmente deflagrada com apoio popular, nos levou a 20 anos de repressão, violência sem limites, extrapolando em todos os sentidos o respeito à vida e aos direitos humanos.

Os generais Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, aliados aos representantes da sociedade civil, homens de pensamento e ação da estirpe de Ulisses Guimarães e Tancredo Neves entre outros, conseguiram a almejada retomada democrática consagrada com a Constituição cidadã de 1988, costurada com habilidade pelos já citados lideres, concedendo anistia ampla geral e irrestrita a todos que cometeram crimes durante os anos de chumbo.

Quando pensávamos que o estado democrático de direito estava consolidado em nosso país eis que surge o capitão reformado do exército e deputado federal pelo Estado do Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro, candidato à presidência de República, com um discurso contrário a tendência mundial de governos democráticos, alinhados aos ideais de direitos humanos, respeito às diferenças étnicas, combate a discriminação sexual e religiosa, e questões ambientais, entre outras pautas contemporâneas.

Carregando a bandeira de inimigo da corrupção, exaltando os valores patrióticos, familiares e religiosos elegeu-se com uma quantidade considerável de votos, mas não tardou a trair seu juramento de defender a Constituição, pregando uma ruptura entre os poderes atacando sem provas o sistema eleitoral que o elegeu, propondo a dissolução à força do STF, ações que como já vimos é prenúncios de mais um golpe militar.

A estratégia de levantar a dúvida convenceu a caserna, alvo de generosas ações do governo federal, que endossaram as ideias de seu comandante, esquecendo seu passado como militar indisciplinado e sua índole nada republicana.

Não estamos em 1964. E a população civil já demonstrou que não deseja a volta de regimes autoritários. Não queremos desordem e retrocesso e sim uma sociedade justa regida por leis que promovam o desenvolvimento socioeconômico e a cidadania para todos, sem privilégios e impunidade para alguns.

Ao historiador não cabe a função de adivinhar o futuro, e sim pesquisar fontes históricas fidedignas que serão as bases dos artigos e livros didáticos do futuro. Mas, para toda a sociedade seria frustrante perceber que o esforço dispendido para alcançarmos a redemocratização foi em vão, É inimaginável para todos voltar a viver em regime de repressão comandado por militares.

 

  

 

 

 

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