A SOMBRA COMUNISTA

Marcio Monteiro, 02 de Maio, 2024 - Atualizado em 02 de Maio, 2024

Em 1973, na minha primeira visita à biblioteca do Arquivo Público do Estado de Sergipe foi bastante proveitosa. Ao me cadastrar, consegui levar para casa dois exemplares que despertaram minha curiosidade. Um deles foi "Incidente em Antares", de Érico Veríssimo, uma obra que considero uma joia da literatura brasileira e que devorei com entusiasmo. O outro livro que me chamou atenção foi o imponente "Arquipélago Gulag", do renomado escritor russo Alexander Soljenítsin, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 1970. "Arquipelago Gulag" aborda de maneira densa o funcionamento do sistema de campos de concentração de trabalhos forçados na Sibéria, criados por Stálin para abrigar criminosos perigosos e, principalmente, opositores políticos do regime soviético. O autor relata os horrores enfrentados pelos prisioneiros, submetidos a uma carga excessiva de trabalho, interrogatórios cruéis e condições desumanas. Muitos pereceram nessas instalações gélidas, levando o autor a dedicar o livro "Aos que não viveram para contar a história".

A leitura do "Arquipélago Gulag" me fez refletir sobre as complexidades do socialismo e do comunismo. Percebi que o Estado e o comunismo, quando mal interpretados ou mal implementados, podem impedir a construção de uma sociedade verdadeiramente socialista. O socialismo, em sua essência, busca a melhoria do bem-estar social, visando distribuir os benefícios de forma equitativa entre todos os membros da sociedade. É comum vermos o termo "socialista" sendo utilizado de forma equivocada, muitas vezes associado ao comunismo, especialmente em debates políticos e filosóficos. Essa confusão é muitas vezes alimentada pela extrema direita, que busca desvirtuar o verdadeiro significado do socialismo, equiparando-o a regimes totalitários que surgiram na Europa no século XX.

Regimes como o fascismo na Itália, o nazismo na Alemanha, o salazarismo em Portugal, o franquismo na Espanha e o stalinismo na Rússia compartilhavam características comuns, como culto ao líder, partido único, nacionalismo extremo e controle dos meios de comunicação. No entanto, esses regimes ditatoriais não representavam o verdadeiro socialismo, pois não buscavam a igualdade econômica nem valorizavam a meritocracia. Atualmente, países como China e Rússia estão experimentando transições econômicas, migrando de economias planificadas para economias de mercado, enquanto ainda mantêm sistemas políticos centralizados. Essa mudança tem sido liderada por líderes como Putin e Xi, que buscam cooperação internacional e equilíbrio de poder. Na Europa, o socialismo continua a ser uma força política importante, com líderes socialistas governando em vários países e ocupando cargos-chave em instituições como o Parlamento Europeu. No entanto, a dinâmica política na região é marcada pela alternância de poder entre liberais e socialistas, impedindo a centralização do poder. Em meio a desafios geopolíticos crescentes, como mudanças climáticas, crises de refugiados e tensões internacionais, os governos europeus são confrontados com a necessidade de respostas rápidas e soluções consensuais. Em última análise, o socialismo defende os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade, conforme estabelecido na Revolução Francesa de 1789.

No entanto, é importante distinguir entre o socialismo verdadeiro e as distorções que podem surgir quando mal interpretado ou mal implementado. Ao discutir questões ideológicas, é pertinente recordar as palavras de dois renomados pensadores. O sociólogo Florestan Fernandes enfatizou a urgência de uma democracia que não se torne o túmulo dos ideais de igualdade, liberdade e felicidade do socialismo. Por sua vez, o político francês Pierre Leroux, em 1834, definiu o socialismo como uma doutrina que permanece fiel aos princípios da Revolução Francesa de 1789: liberdade, igualdade e fraternidade. Concordo com ambos, pois é evidente que o comunismo nunca foi plenamente realizado conforme concebido por Marx e Engels. Ao longo do tempo, tem sido distorcido e instrumentalizado como uma ameaça aos interesses capitalistas.

Como bem observou o professor Vladimir Puzone, do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o termo "comunista", independentemente de sua referência real, serve para demonizar qualquer proposta que busque aliviar as dificuldades da vida cotidiana. A tática da extrema direita em propagar a narrativa ultrapassada e alarmista de uma suposta ameaça comunista à família e à propriedade é capaz de conquistar seguidores facilmente. Muitos incautos, temendo o desconhecido, são levados a acreditar que o “cramunhão do comunismo” está à espreita, pronto para escapar de sua garrafa e infernizar ainda mais a vida das pessoas.

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