O Cérebro faz o homem? (por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 10 de Outubro, 2022



 

Acreditar que somos o nosso cérebro é uma conveniência existencial. Nos isenta de boa parte das responsabilidades. Qualquer desvio, é atribuído a um transtorno mental, uma doença.

É o fim da culpa, como sentimento ético/religioso.

Por outro lado, aumenta a discriminação. Se qualquer desvio é uma doença o perigo é maior, torna-se uma fatalidade biológica. Aumenta a discriminação.

Acredita-se que a unicidade cérebro/mente já foi comprovada pelas neurociências, mesmo os pontos obscuros, não explicados, é só esperar, é uma questão de tempo. Somos uma máquina físico/química.

Não tem nada comprovado. É uma crença que se legitima com a credibilidade do discurso científico. A ciência é a última referência.

Duvidar dessa evidência, comprovada pela ressonância funcional, é sair do âmbito da ciência. Ocorre, que as neurociências nunca comprovaram nada disso.

A mente é uma função do cérebro. A memória e a consciência são funções do cérebro. A nossa identidade é uma ilusão pretensiosa.

O dualismo corpo e alma é uma ranço obscurantista. O corpo é quem produz a alma.

Qualquer pensamento, ideia, filosofia tem uma base neural, biológica. A poesia brota em determinados cérebros, pré-formados com essa especificidade. Essa crença por enquanto é uma crença.

Se somos o cérebro, perdemos as referências, não existem mais caminhos. Ou cada um faz o seu. O pensamento é um função biológica. Abandonamos a transcendência por soberba e estamos perdidos.

O humanismo foi um equívoco (o homem como referência). O homem é conduzido pela vaidade, não merece confiança. Não é o que pensa que é.

O homem, sendo mais preciso, o seu cérebro, passou a ser a medida de todas as coisas.

Vivo uma confusão: comecei a perceber o funcionamento autônomo do cérebro, ele querendo impor os seus ditames, e eu reagindo. Um colega neurologista disse-me que não se trata de dualismo, a evolução criou estruturas novas e as antigas permaneceram.

O cérebro não é único, são vários.

A confusão aumentou. Eu escolho a qual cérebro obedecer, ou eles decidem entre eles, em reunião? Freud inventou o inconsciente que nos controla. As neurociências foi mais longe, descobriu que é a mente que nos controla e não apenas o inconsciente.

O livre arbítrio é uma ilusão.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

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