As multidões virtuais. (por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 27 de Outubro, 2022



 

Os grupos sociais na internet são multidões psicológicas, estudadas por Le Bon, antes de sua existência digital, em obra publicada em 1895, e ainda atual. A Psicologia das Multidões foi lida e citada por Freud em seu clássico, “Psicologia das Massas e a análise do Eu.”

As multidões humanos apresentam características psicológicas próprias, distintas dos indivíduos que as compões. As redes sociais são formas novas desses aglomerados. São multidões psicológicas não presenciais, on-line, interligadas pela tecnologia.

Qual é a alma coletiva dessas novas multidões virtuais? Se sabe que o inconsciente desempenha um papel decisivo e que essas massas são facilmente manipuladas pelos comandos subliminares do big data. São compostas por perfis conhecidos, pela organização dos dados promovidos pelo algoritmos.

As mensagens são destinadas as psiques conhecidas, esquadrinhadas, reveladas, postas à luz pela inteligência artificial. É a psicopolítica.

Os nossos atos derivam de um substrato inconsciente. Este substrato recebe influências hereditárias, resíduos ancestrais e causas diversas: crenças políticas, religiosas, motivações eventuais e relações sociais e econômicas.

As redes sociais, utilizando-se dos algoritmos, captam os perfis de cada um, em detalhes desconhecidos pelo próprio indivíduo. As Fake News são elaboradas com esse prévio conhecimento.

É a psicopolítica! Essa onda de irracionalismo da pequena burguesia só foi possível com essa manipulação.

Como explicar essa adesão da maioria da classe média a essas bandeiras obscurantistas?

A onda de apoio entusiasmado da pequena burguesia as teses de extrema direita tem causas socioeconômicas, eu sei, mas sem o suporte das redes sociais essas manifestações não seriam tão calorosas.

Kafka condenava a comunicação dos humanos por cartas, achava uma invasão inaceitável da privacidade. Ainda bem que ele não conheceu as redes sociais.

No Brasil, o terreno do inconsciente estava pavimentado atavicamente, com a herança escravocrata. Isso facilitou a emersão de militantes do irracionalismo.

Como essa gente escolarizada, de fino trato e bons modos, que sabe usar os talheres e se sentar à mesa, se torna presa fácil dos “Führer”. Foi assim na culta Alemanha. A pequena burguesia foi a base de sustentação do Nazismo. Assim está sendo no Brasil.

“As opiniões eleitorais são descobertas por meio do data mining. Os votos negativos são sanados por meio de propostas novas e mais atrativas. No exame digital não somos mais agentes ativos, não somos cidadãos, mas consumidores passivos.” Chul Han

Não é a inteligência nem a erudição que formam o caráter.

Em matéria de sentimentos – política, religião, moral, afetos, antipatias etc. Os homens mais eminentes raramente ultrapassam o nível dos elementos mais ordinários. Os instintos, as paixões e os sentimentos são idênticos, brotam da mesma fonte.

Quando reunidos em multidões, mesmo virtuais, forma-se uma alma coletiva, apagam-se as aptidões intelectuais e os talentos dos homens e as suas individualidades. O pensamento é rebaixado, desce-se vários graus na escala da civilização.

Nos grupos sociais na internet, multidões virtuais são conduzidas por fakes News, cientificamente elaborados e adaptados a um pensamento médio previamente conhecido. É a psicopolítica.

Essas multidões, as novas e as antigas, apresentam certas características: impulsividade, instabilidade, credulidade, exagero e simplicidade dos pensamentos, intolerância, passam facilmente da ferocidade a generosidade. Para o indivíduo na multidão a impossibilidade desaparece.

As multidões devidamente açodadas são capazes de invadir o Capitólio. Formam de modo efêmero cruzadas desarmadas, em busca do impossível.

Quando um ou outro membro isolado do grupo resolve pôr em prática o que pregam, como o recente caso de Roberto Jefferson, os demais tendem a abandoná-lo, inclusive o chefe. As loucuras das multidões não podem ser praticadas individualmente.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

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