Uma Utopia de pés descalços. (por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 30 de Outubro, 2022 - Atualizado em 30 de Outubro, 2022

 

 

Contrariei uma amizade de 60 anos, por conta de Bolsonaro. Afirmei numa roda de amigos, sem muita convicção, que o exército brasileiro era uma instituição desnecessária. Foi o suficiente...

O meu amigo acha o exército sagrado, um pilar da brasilidade. Essa divergência gerou um desentendimento.

O Brasil está dividido em profundidade. Não sei se a minha geração alcançará uma convivência. São projetos de Brasil antagônicos e irreconciliáveis.

O problema é que o Brasil está dividido em duas grandes multidões, dominadas pela irracionalidade. O que agrada a uma, desagrada a outra. É a chamada luta de classes em sua forma selvagem, em sua forma despolitizada. É uma guerra desigual, só um lado está armado.

A chamada governabilidade, não será fácil. Para as multidões, a simpatia logo se transforma em adoração e a antipatia em ódio. No Brasil, todos os ardores do fanatismo político estão a flor da pele.

“Conhecer a arte de impressionar a imaginação das multidões é conhecer a arte de governá-las.” – Le Bon. No Brasil, esse segredo não funciona.

O fanatismo tomou conta. Os Jacobinos do terror eram tão profundamente religiosos quanto os católicos da inquisição.

Os grandes homens de Estado, em todas as épocas e em todos os países, consideraram a imaginação popular o sustentáculo do seu poder. A dificuldade é levar em conta a imaginações antagônicas.

“Tornando-me católico, dizia Napoleão ao Conselho de Estado, pus fim a guerra da Vendéia; tornando-me mulçumano me estabeleci no Egito; tornando-me ultramontano ganhei os padres na Itália. Se governasse um povo de judeus, restauraria o Templo de Salomão.”

Napoleão teria dificuldade em amansar os brasileiros. O ódio é mútuo. A minha suspeita é que chegamos a essa beligerância por conta das redes sociais. Elas não são as causas, mas os meios.

Historicamente, nunca fizemos esse acerto de contas na hora certa. Agora parece não existir saídas pacíficas. O jeitinho brasileiro está cobrando o seu preço.

É impossível impressionar as multidões com demonstrações dirigidas a inteligência e a razão. Aos seus olhos o real e o irreal se equivalem. O maravilhoso e o lendário são os verdadeiros suportes de uma civilização.

O mal ou o bem que os homens fazem não sobrevivem a eles, com os seus ossos se enterra.

As ideias precisam de muito tempo para se estabelecer na alma das multidões, e mais tempo para delas se retirar.

O ideal “Panem et circenses” da plebe romana, em pouco se modificou. Lula acerta, quando acena para as multidões com as três refeições e, de vez em quando, uma cervejinha gelada com um churrasco de picanha.

“Comer três vezes ao dia” é uma ambição pequena, uma utopia de pés descalços, mesmo assim, milhões estão passando fome. Ainda não é o paraíso na terra, prometido pelo socialismo, apenas um mínimo de dignidade.

“A gente não quer só comida/ A gente quer bebida, diversão e arte/ A gente não quer só comida/ A gente quer a vida como a vida quer.” – Titãs

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

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