A Internet das Coisas. (por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 04 de Julho, 2023


 

“As não/coisas estão invadindo nosso ambiente de todos os lados, e estão suplantando as coisas. Essas não/coisas são as informações, os dados.” – Flusser.

A internet das coisas incorporou a inteligência artificial aos objetos.

As portas se abrirão e as luzes se acenderão sozinhas, na hora certa. As vassouras varem, as furadeiras furam, as radiolas tocam, os fogões cozinham a assam sem a necessidade da ação humana direta.

Teremos casas, móveis e automóveis inteligentes. Os carros em breve prescindirão de motoristas. Os automóveis mover-se-ão sozinhos, serão autônomos.

Os museus com objetos tridimensionais, com coisas antigas, perderam o interesse, foram substituídos por memoriais eletrônicos. Vivos, dinâmicos e virtuais. Os memoriais são informações, virtuais, não/coisas.

Nada é palpável!

Visitei recentemente o Memorial de Simão Dias. Formidável e encantador. Contudo, tudo ali é virtual.

A minha sobrinha, de 9 anos, acha que os livros são tablets que travaram. Não interagem com os leitores, são passivos. As contestações dos seus conteúdos são remotas. Estamos na Era das imagens, on-line.

As coisas se libertam dos homens, mas perdem os seus caprichos. As coisas, vez por outra, mostravam uma vontade estranhas, e contrariavam ou agradavam aos seus donos.

Os homens e as coisas mantinham relações de afeto e ódio. Amávamos ou odiávamos certas coisas e elas retribuíam. As coisas eram os nossos polos de estabilização. Tínhamos até objetos de estimação, sem motivos aparentes. Pura simpatia.

Na infância, tive um tamanco de estimação (os meninos usavam tamancos, antes das sandálias de plásticos, as japonesas).

Não usava o meu tamanco no dia a dia. Só em ocasiões especiais. Ia à missa e ao catecismo com ele. Gostava do espanto que o seu toc-toc. causava. Se amava as coisas.

O meu tamanco já era exibido, imagine, ele com inteligência artificial. Acho que ele iria à missa sozinho.

A inteligência artificial tornou as coisas arrogantes, afastando-as da gente. Certo, ficaram mais eficientes, enguiçam menos, mas perderam o nosso respeito.

Estamos sob ameaça? A Inteligência artificial vai nos dominar?

Acho que não, o perigo é outro. O que nos ameaça é a simplificação binária do pensamento, o fim das narrativas e do pensamento crítico.

A inteligência artificial não pensa, não se arrepia, não se comove, falta-lhe a dimensão analógico/afetiva. O pensamento humano parte da totalidade, que se antepõe aos conceitos.

A inteligência é um processo analógico afetivo, exclusivo da mente humana. Não existe inteligência artificial. O que recebe esse nome é um método de calcular, ordenar e realizar algumas tarefas.

A ameaça é que esse método binário de resolver tarefas, se torne a forma dominante do pensamento humano, suprimindo as dimensões analógicas e afetivas do cogito (pensar), próprias da mente humana.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

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