A química da felicidade. (por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 18 de Julho, 2023



 

“Cega, a Ciência a inútil gleba lavra/ Louca, a Fé vive o sonho do seu culto/ Um novo Deus é só uma palavra/ Não procures nem creias: tudo é oculto.” – Pessoa.

O objeto da psiquiatria era as enfermidades mentais, ou seja, os transtornos da afetividade, inteligência, vontade e instintos. Na pôs modernidade, a psiquiatria foi convocada para cuidar da infelicidade.

O mal-estar foi medicalizado! Os fármacos dão conta, são eficazes, modulam o sofrimento?

Uma constatação: os atormentados, os que sofrem psiquicamente, os ansiosos e os deprimidos batem às portas dos consultórios psiquiátricos.

Não se trata de uma questão moral. O homem sempre procurou uma saída química para o mal-estar. Basta lembrar o consumo do álcool. A questão é se existe ou não uma saída química para o mal-estar, que possa modular o sofrimento.

Parte do mal-estar é determinado socialmente. Outra parte não. Independente da origem do sofrimento, os fármacos atenuam. Não é fantasia!

Os seres humanos possuem o seu cantinho de infelicidade. Mesmo que o universo conspire a favor, a infelicidade encontra-se em suas entranhas. A questão é se é lícito amenizar esse sofrimento com as drogas farmacêutica?

A sociedade pós-moderna desregulamentou e acelerou a vida, eliminou as referências. Acentuou o narcisismo. Ser feliz como objetivo da vida é uma novidade.

Em minha Aldeia, passamos da Era agrícola para a pós-modernidade direto, sem uma vivência com a modernidade. O choque foi maior.

A safra das pílulas da felicidade, começou com o Prozac (fluoxetina), em 1985. A Indústria farmacêutica não parou de inovar, lançou dezenas de pílulas da felicidade, aumentando a eficácia e reduzindo os efeitos colaterais.

O que separa a dependência das drogas ilícitas dos fármacos psicotrópicos é a dose e a racionalidade médica. No segundo caso, a dependência é mais controlável.

E possível amenizar a ansiedade e o mal-estar quimicamente? Sim!
Sou um insone crônico. Uma insônia sem ansiedade. Uma insônia herdada, meu pai passava as madrugadas acordado.

Não recorro aos medicamentos, até agora resisti. Seria eficaz? Claro! Mas tenho receio da dependência. Percebo que o conhecimento médico sobre a insônia repousa em bases físico/química e em suposições oníricas.

Qual é a maior limitação da felicidade química? Os fármacos não ensinam nada. Passada a crise, volta-se a condição inicial. A dependência torna-se absoluta.

Quando a superação do mal-estar é feita naturalmente, com o sofrimento, existe um aprendizado, um amadurecimento, uma superação positiva.

Entretanto, essa alternativa é inviável numa sociedade que entende a felicidade como um direito. Uma sociedade intolerante ao sofrimento. Busca-se a felicidade a qualquer custo, como se isso fosse possível.

Freud demonstrou a inviabilidade desse direito a felicidade. A vida não possui esse desejado sentido sublime. Mesmo quando se conquista os objetivos desejados, a infelicidade continua.

A psiquiatria orgânica acredita que a vida é apenas uma manifestação neurobiológica e que não existe fronteiras entre o orgânico e o inorgânico. Existem as correntes psicodinâmicas, que acreditam que a vida é a interação da psique com o meio ambiente, e a sociológica, que reduz a vida as relações sociais.

Boa parte são formulações ideológicas, com pretensões científicas. É uma longa polêmica, talvez sem solução.

Ou tudo é oculto, como diz a poesia de Fernando Pessoa?

Antonio Samarone (médico sanitarista)

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