A farinha de Itabaiana virou commodity. (por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 24 de Julho, 2023



 

Ouvi na FM Itabaiana (93.1), que uma cooperativa de Campo do Brito está exportando a farinha de Itabaiana, para os Estados Unidos. São toneladas! A farinha será cotada em dólar, na Bolsa de New York.

O medo é que os americanos descubram o aipim rosa.

A mandioca foi o primeiro produto da Terra de Santa Cruz, anterior ao Pau Brasil. Unia Tupis e Tapuias. Era o trigo dos povos originários. Dela se extraía o cauim e o caxiri e se fazia uns filhós chamados beijus.

A farinha de mandioca e o cuscuz são a salvação da pobreza.

Pequeno, eu adorava a banana e jaca das moles, com farinha. Ainda gosto do pirão de qualquer coisa. Sem falar na farofa de João de Neco, enriquecida com a banha de porco.

Um prato que não leve farinha, para mim não vale muita coisa.

Se dizia no Beco Novo, “a farinha aumenta o que é pouco, engrossa o que é mole e esfria o que é quente.” Uma maravilha.

Para se fazer a farinha de mandioca, raspa-se e lava-se muito bem as raízes. Rala-se. Se espreme no tipiti, para se tirar a manipueira. Passa-se a massa seca na urupema. Lança-se a massa fina num forno de barro, aquecido a lenha, e mexe-se com o rodo sem parar. Até a massa ficar bem torrada e alva. A farinha fica redonda, doce, cheia de tapioca.

Essa é a tecnologia que eu via na casa de Pai Totonho, meu avô.
“Rala, rala a mandioca/ Tu de lá e eu de cá/ Pra fazer beiju de massa/ Pra gente se alimentar.”

Depois era fazer os beijus, uma festa para os meninos. Eu era viciado em beiju de amendoim.

Sem falar na farinha pó dos Rio das Pedras. Finíssima! Usada para fazer o engrossante e a papa dos bebês. Sou de família grande, tive a sorte de raspar muitos papeiros.

Mamãe acendia o fogo e eu gritava primeiro: o papeiro é meu! O papeiro é meu! Como no samba de Alcione.

Eu compro farinha a um caraibeiro, no mercado do Augusto Franco. Vou avisá-lo para estocar o produto em vasos, lacrados com cera de abelha mandaçaia. Existe o risco de escassez e especulação dos preços.

Os gringos estão comprando a farinha de Itabaiana em dólar. O pobre tá lascado, não vai aguentar a carestia.

Quem comeu a farinha de Itabaiana, comeu! Quem não comeu, não come mais! Os americanos descobriram o pirão e a farofa. O Tio San vai tocar o tamborim.

Por aqui, é o fim do pirão e da farofa de qualidade! Isso é inaceitável. Estou pensando em comprar uma quarta de farinha de Itabaiana e guardá-la de lembrança.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

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