Ninguém se salva só. (por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 24 de Julho, 2023 - Atualizado em 24 de Julho, 2023

 

 

Na juventude, estudei Saúde Pública. Fiz carreira profissional. Busquei o magistério, movido pelo sonho de levar o pensamento crítico à conservadora faculdade de medicina.

Não deu certo!

Na saúde, o pensamento mercantil impôs a sua lógica. Como era uma questão de princípios, não acompanhei as novidades. Tornei-me, por opção, um dinossauro acadêmico.

Mesmo derrotado, continuei defendendo as causas perdidas.

A medicina trocou o doente pela doença. A saúde deixou de ser qualidade de vida e virou consumo. Entramos de corpo e alma no mercado das doenças.

Experimentei a experiência de gerir o mundo do trabalho, na DRT, e os conflitos da mobilidade, na SMTT. No trânsito é guerra, com muitas vítimas. Estou experimentando a gestão do mundo da cultura. Procurando entender.

A pós-modernidade sufocou as metanarrativas. Criou-se um tempo novo.

Na Idade Média o tempo era circular, sempre retornava. Na Idade Moderna, o tempo era linear, marchava em direção ao futuro. Era a crença iluminista. Na pôs modernidade, o tempo foi fragmentado em pequenos episódios, não possui uma direção.

Convivemos com o individualismo absoluto, sem referências, sem hierarquias. Nada é sagrado. São tempos líquidos, sem forma, como diz Bauman.

O nosso apego aos tablets e celulares é uma volta ao útero.

A autoridade natural dos pais, professores, sacerdotes, profetas, filósofos foi sufocada. A minha geração não dizia “não” aos pais! Boca de forno, forno!

Ouvi do experiente Seu Nogueira, porteiro do meu prédio: “doutor, o bicho mais difícil de se criar, é gente.” Por quê? Indaguei. Ele foi sucinto: “só o homem conhece a ingratidão.” Era a sabedoria, na velhice, de quem refletiu sobre a vida.

“Quando tratamos qualquer bicho com carinho, mesmo os mais brutos, eles devolvem o carinho. Gente, não! O homem é falso, dissimulado, apunhala pelas costas.”, sentenciou Seu Nogueira.

Fiquei pensando sobre a descrença humanista do Seu Nogueira, um homem antigo, que aprendeu a engolir sapos.

Na pós-modernidade, cada um cuida de si. As utopias foram substituídas pelo medo. Os projetos de vida perderam o sentido. A vida muda a cada esquina.

As relações humanas sempre foram complexas, de difíceis harmonizações.

Agravou-se!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

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