A medicina e suas histórias. (por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 11 de Agosto, 2023



 

Independente dos avanços do saber médico sobre o corpo, da maior eficácia dos tratamentos, do uso de saberes cientificamente comprovados por “evidências”, do aumento da vida média, apesar disso tudo, a insatisfação da sociedade com a medicina é crescente.

No geral, a cura é atribuída a vontade de Deus e os erros ao fracasso dos médicos.

Dirão os mais antigos: sempre foi assim! É verdade. Só que antes, a medicina não possuía nem os recursos, nem os saberes atuais. A medicina era uma prática errante, beneficiada por uma lei natural: em regra, “as doenças evoluem para a cura”.

Na Grécia antiga, a comunidade de Abdera, contratou Hipócrates, isso mesmo, Hipócrates de Cós, o pai da medicina ocidental, para curar o filosofo Demócrito, tido como louco, por conta do seu sorriso afrontoso e provocador. Demócrito foi considerado louco, por rir de tudo e de todos.

Dizia a carta de convite a Hipócrates: “Demócrito se tornou doente pela grande sabedoria que adquiriu. Ele não dorme e ri de todas as coisas. Ele ri dos mudos, dos melancólicos e mesmo dos que parecem felizes. Ele ouve as vozes dos pássaros e recita odes nas madrugadas. Hipócrates, venha ao nosso socorro”.

Hipócrates respondeu: “bem-aventurados são os povos que percebem que os homens bons são as suas próprias defesas, não as torres, nem os muros, mas os úteis conselhos desses homens sábios.”

Na medicina grega, a loucura era desencadeada pela fleuma e pela bile. Se a causa for a fleuma, os pacientes ficam calmos, são os doidos mansos; se for a bile, o louco é inquieto e agitado. Surtam!

Tratavam-se as crises de loucura com o heléboro, um veneno. A medicina grega tem origem na divindade de Apolo e na arte de Asclépio.

No consulta, Demócrito advertiu Hipócrates: “viestes a mim como se eu estivesse louco. Pronto para me prescreve o heléboro, que obscurece a reflexão dos sadios.

Hipócrates ensinou:

“enlouquecemos em função da umidade do encéfalo, onde reside a alma. A alteração do encéfalo ocorre pela fleuma e pela bílis. Os homens não elogiam a arte medicinal, atribuem os seus benefícios unicamente aos deuses.”

Como se vê, essa visão sobre a impotência da medicina é antiga.

Hipócrates não encontrou loucura em Demócrito, ao contrário, considerou toda a população de Abdera melancólica, e encantou-se com a sabedoria de Demócrito. A loucura é um dom de Apolo, deus, médico e adivinho.

Demócrito foi um filosofo pré-socrático, o primeiro a enunciar uma teoria do átomo. Foi seguidor de Leucipo.

Machado de Assis quando escreveu o Alienista, baseou-se no pai da medicina, internando toda a população na Casa Verde.

Quem ainda não leu o Alienista, está na hora. O download é gratuito.

Hipócrates estabeleceu os princípios, para o exercício da boa medicina, ensinada por Asclépio.

Foi nesse encontro com Demócrito, que Hipócrates formulou o seu mais importante aforismo: “A vida é curta, a arte longa, a oportunidade fugaz, a experiência enganadora e o julgamento difícil.”

Os médicos atuais, filhos de Hipócrates, abandonaram a arte médica, ensinada pelo pai da medicina. Guiando-se apenas pelo mercado e tendo a ciência como miragem.

Antonio Samarone. Médico sanitarista.

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