A Cultura e os Caminhoneiros. (por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 30 de Agosto, 2023 - Atualizado em 30 de Agosto, 2023

 

Itabaiana é a Capital nacional dos caminhões (Lei 13.044, de 2014).

Nos últimos 70 anos, Itabaiana se transformou num importante polo comercial, puxado pelo crescimento do setor de transportes. O caminhão foi a locomotiva. Formou-se uma grande cadeia produtiva, em torno do caminhão.

A grande festa dos caminhoneiros em Itabaiana é uma mistura de religião, negócios e musical de massas.

O caminhão trouxe a indústria de carrocerias, uma rede de oficinas e casas de peças, empresas de vendas de veículos (novos e usados) e empregos para motoristas. O caminhão coloca muito dinheiro em circulação. O dinheiro corre, com si diz. O setor imobiliária explodiu.

Uma curiosidade. Somos a capital da castanha, também por conta do caminhão. Como assim, pergunta o apressado?

No agronegócio não basta produzir. É preciso vender, encontrar mercado consumidor. É o espírito competitivo que leva o Itabaianense a vender as suas castanhas no resto do país. E como as levam? Via de regra, na boleia dos caminhões.

Se encontrar alguém vendendo castanha de caju nas praias de Santa Catarina, pode perguntar: você é de onde? Ele responde gritando, do Carrilho ou das Tabocas ou do Dendezeiro. São ex quilombos extrativistas, em Itabaiana, onde assar castanha encontrou um solo fértil.

O Piauí produz a castanha, mas não beneficia, não tem a quem vender.

Voltando ao tema central.

Os caminhoneiros impuseram o seu modo de vida em Itabaiana e região. Hoje, quando se fala em Itabaiana, econômica e culturalmente, se fala no Agreste caminhoneiro.

É o Agreste que puxa a economia do estado. O resto é dinheiro público e capital de fora.

Quando se pergunta a uma criança em Itabaiana, o que ela quer ser, a maioria responde: caminhoneiro.

A impressionante carreata mirim é movida por emoção. São filhos, netos, sobrinhos de caminhoneiros. Muitos empurrados pela saudade, dos que já se foram.

O que explica essa força competitiva dos caminhoneiros em Itabaiana? Claro, a chegada da BR – 235 ajudou. Mas, a BR também chegou a outras cidades. Por que Itabaiana virou a pátria dos caminhoneiros?

Essa força está presente em todo o Agreste.

Na verdade, o caminhoneiro de Itabaiana ganhou a disputa no mercado dos transportes, teve a preferência das cargas, chegou na frente, por um motivo: as cargas nos caminhões de Itabaiana eram entregues na hora combinada, em especial as cargas de perecíveis.

O Itabaianense ganhou a concorrência no mercado dos transportes, ganhou fama e legitimidade, por sua competitividade.

Essa vantagem competitiva muitas vezes dependia dos arrebites. Do uso de substâncias estimulantes, para se evitar o sono e o cansaço. A carga deve ser entregue na hora combinada.

Isso teve um preço amargo. A mortalidade dos caminhoneiros em Itabaiana foi muito superior à média nacional. Muitas famílias em Itabaiana perderem os seus entes queridos.

A vitória na concorrência teve consequências boas e ruins. Por isso, o respeito em Itabaiana pelos caminhoneiros.

O Itabaianense não quer perder, disputa qualquer coisa. Apostam em tudo... Gostam do jogo e da disputa.

De onde vem essa índole competitiva do Itabaianense?

Tenho escutado várias explicações: uma suposta descendência judaica, uma herança genética dos holandeses, a natureza do Itabaianense, nascemos assim. São explicações superficiais, deterministas.

Penso que a explicação principal seja outra. Depende do nosso modo de vida. Peço ajuda a cultura, numa abordagem mais antropológica.

Itabaiana é uma terra de pequenos proprietários rurais, artesões, e pequenos comerciante. Uma terra em que a acumulação inicial do capitalismo funciona. Todos têm chances na disputa. Mesmo quem não tem, pensa que tem.

Os magnatas, magnatas, são poucos. Não existe a dicotomia Servo/Senhor. Os senhores são poucos, e não existem famílias tradicionais, os baronatos. Não existe uma aristocracia.

Aprendemos a ser livres na infância, e que dependemos do talento e da disposição.

Em Itabaiana, o novo rico é bem aceito na sociedade. Sem rejeição. Não se pergunta a origem da riqueza. Dinheiro é dinheiro, nos bolsos de qualquer um.

Isso permite uma competição com chances. Todos se matam de trabalhar, com gosto, sem reclamações. Rodam o mundo, para vencer na vida. Vale tudo.

Os comerciantes em Itabaiana enfrentam a expansão do grande capital, em boa parte, internacional, enfrenta as grandes redes nacionais de distribuição.

Vejam na grande Aracaju, a rede de Mercearias Itabaiana sobrevive, vendendo muitas vezes mais barato que os “Assais e os G. Barbosas."

Falando-se no comercio de madeira, fertilizantes, autopeças, confecções, bebidas, pneus, entre outros, não precisa consultar os preços, vá direto a Itabaiana.

Os “Peixotos” no Agreste, vendem de tudo e com um menor preço.

O novo rico é um herói em Itabaiana. Venceu!

Creio que a essa competitividade é determinada culturalmente, pelo modo de vida livre, sem senhores.

Por outro lado, essa competitividade individual de cada um, retroalimenta o modo de vida, as crenças e os valores.

Com isso, o Agreste está sendo transformado.

O Itabaianense trabalha as 24 horas por dia e os sete dias na semana. Full time. Dormir é para os fracos.

A alma competitiva do Itabaianense não é herança biológica, natural, ou depende da geografia serrana, como pensava um grande intelectual patrício, já falecido. E ainda pensa, uma gente academicamente bem formada.

Ouso colocar a cultura, lato senso, na base das análises.

Antonio Samarone. Médico sanitarista.

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