O último melancólico. (por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 24 de Novembro, 2023




 

O meu amigo Lindolfo, apareceu no boteco de Zé Buraqueiro, na feira do Augusto Franco, com o aspecto soturno, triste, humor sombrio, possuido por uma melancolia ancestral.

Ele queria saber o que a medicina tinha a dizer. Queria uma explicação centrada na bioquímica. Porra, eu parei na alquimia.

Sei lá! A medicina científica não cuida dessas doenças, que fogem à lógica molecular. A melancolia foi extinta há mais de meio século. Melancolia é um excesso da bile negra, no paradigma humoral.

Os humores continuam existindo, mas perderam importancia, o parafigma humoral foi suplantado.

Há muito, Hipocrates foi banido das escolas médica. Ensinam apenas que ele é o pai da medicina, e ninguém se arrisca a perguntar o porquê. E se um ou outro perguntar, não encontrará uma resposta razoável.

A medicina, depois da publicação de Giovanni Battista Morgagni (De sedibus et causis morborun – 1761), afirmando que as causas das doenças estavam nos órgãos, esqueceu das doenças dos humores.

Em 1856, Virchov estaleceu o paradigma celular (a doença está célula); em 1991, com a sintese do genoma humano, o paradigama passou a ser molecular, a doença está no DNA. Só que explicar isso a Lindolfo foi inútil, só acentuou a sua melancolia.

Melancolia é uma doença da alma, não possui sede em nenhum órgão. Melancolia não é depressão. Não adianta procurar evidências materiais.

Para não gerar mal entendidos, estou chamando de alma a psique humana, globalmente, a parte consciente e a parte inconsciente. A natureza expressou a alma na fisionomia, no semblante. A fala não consegue esconder.

Lindolfo está com um semblante melancolico clássico, um semblante encontrado nos livros de Galeno. Ocorre que a melancolia foi extinta. Ninguem pode padecer de uma enfermidade extinta.

O corpo fala, manifesta as emoções e as paixões, as intenções ocultas. O rosto é o espelho da alma. Entre os séculos XVI e XVIII, essa verdade foi amplamente aceita. Só que já estamos no século XXI.

Eu não tenho uma convicção: Lindolfo está melancólico.

A medicina baseada em crenças, não deixa dúvidas. A melancolia não é captada pelos exames complementares, mesmos os exames de imagens, mais sofisticados.

Os bons atores, que dominam a arte de representar, controlam a musculatura da face, manifestando emoções diversas, mesmo sem sentí-las. Manifestam frieza, mesmo em momentos de ódio extremo.

Esconder emoções, ou mesmo invertê-las, é uma capacidade inata, mas, com treinamentos, pode ser apreendida. A fisionomia humana é uma fonte profunda de informações.

Entretanto, Lindolfo é um emotivo, desconhece a arte de representação dos atores e dos políticos. Lindolfo revela abertamente o que sente, na fisionomia.

Talvez, Lindolfo seja o último melancólico. Por isso, pagará o preço da incompreensão dos médicos e dos charlatães.

Precisamos escolher doenças mais atuais.

Antonio Samarone – Médico sanitarista.

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