Doente não tem o que querer... (por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 21 de Dezembro, 2023 - Atualizado em 21 de Dezembro, 2023

 

Foto: arquivo

 

 

Ao aproximar-me dos setenta, oscilo entre duas sentenças: a velhice como a melhor idade ou como um naufrágio. Eu, por enquanto gosto, mas vejo o naufrágio se aproximando. O mar é cada vez mais revolto.

Na teoria, existe um direito do doente. Qualquer intervenção médica precisa da autorização do enfermo. Conversa fiada! O idoso perde a autonomia naturalmente. Quando adoeçe, a dependência é absoluta.

Em boa parte, a velhice é um retorno a infância. Quando eu resistia ao óleo de rinse, mamãe, com a chinela na mão, alertava: “menino não tem o que querer, tape o nariz e tome, de um gole.”

Descubro agora, o velho também não tem o que querer. Diante da diabetes a impotência é avassaladora.

Se não bastasse o sofrimento da diabetes, as redes sociais estão infestadas de saídas milagrosas para quase tudo. Por onde anda a vigilância sanitária, que permite? Um charlatão, disfarçado de terapeuta natural, garantiu no You Tube, que visgo de jaca é um santo remédio para a diabetes.

Antes de submeter-me as restriçoes, tentei saídas milagrosas: leite de manga verde, em jejum, suco de giló, ao amanhecer, casca de abacaxi, azeite de castanha e caroço de manjelão. A última que me ensinaram: leite de dromedário com limão siciliano.

Caí na risada. Em minha infância existia o abc dos animais. Cada letra, um bicho. E o “D” era de dromedário. Não sei se esse primo do camelo ainda existe, nem onde adquirir o seu leite. Soube que na China vende.

O diabetes se alastrou, resutado da transição alimentar dos últimos 50 anos, com a imposição dos alimentos industrializados e processados. Somos uma geração de gordos. O meu pâncreas abriu o bico, não suportou a demanda.

O diabetes é o preço!

Como em qualquer doença, a convivencia com a diabetes impõe pesadas restrições. A renúncia à gula e aos prazeres da mesa é um tormento. Tem mais, precisamos abrir mão do sagrado sedentarismo, de passar o dia tomando fresca numa rede.

A gula era o último pecado capital disponível aos velhos. Nem isso.

O meu prato preferido é arroz com galinha de capoeira. Nem isso. Ontem, em meu aniversário, comi a galinha com salada. Imagine.

Tomar diariamente insulina no bucho, cria a ilusão que estamos resolvendo a mazela.

A diabetes é um câncer silencioso, destroi o corpo por dentro, aos poucos. Na verdade, é uma vasculite, afeta os vasos sanguineos. Como o corpo não funciona sem o sangue, os órgão vão sucumbindo um a um, sem ordem prévia e sem regras.

Claro, estou tentando tomar as medidas para cumprir as restriçoes. Não é fácil! Não adianta pressão. Cada um tem o seu tempo. 

 
Aviso aos que torcem contra: seja qual for o resultado, a minha sensação é que tudo já deu certo.

Antonio Samarone – Médico sanitarista.

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