O Medo da Morte. (por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 20 de Julho, 2022


 

Conheci Gutemberg Resende na adolescência. O filho de Zé Boleia era precoce. Um inteligência que beirava a anomalia. Deixou a escola e mergulhou nos livros. Ele foi o primeiro, entre os meus amigos, a descobrir a Internet.

Depois de longa ausência, soube que o meu amigo de infância está aguardando a morte em um hospital de São de Paulo, com um câncer na garganta.

Descobri o seu e-mail e estabeleci contato. Gutemberg há muito habita o ciberespaço, onde eu fui encontrá-lo.

Antes de revelar o destino do meu amigo, peço paciência para relatar um pouco do e-mail que ele me respondeu.

Gutemberg descobriu, lendo Kierkegaard, a dualidade paradoxal da existência humana: somos metade animal, verme alimento de vermes e metade simbólica. Somos um corpo material finito, pó, condenado a morte e, ao mesmo tempo, somos uma consciência infinita, criadora, uma mente que voa alto em busca da imortalidade.

O corpo é a ruína dos esforços do espírito.

A vulgaridade materialista acredita que a mente é uma função físico-química do cérebro e que a consciência perece com o corpo. Gutemberg reage furioso contra essa hipótese.

O cristianismo prega que com a morte do corpo, a alma (consciência) se liberta para uma vida eterna no Paraíso, para os bens comportados. Os espíritas kardecista, enxergam novas chances para o espírito (consciência), que irão reencarnar. As religiões orientais apontam para o nirvana. As alternativas religiosas são muito simplificadoras, para a complexidade intelectual de Gutemberg.

Buscou uma saída nos estoicismo. Leu as cartas de Sêneca a Lucilio, onde o filosofo aconselha ao amigo uma aceitação serena da morte. Não agradou a Gutemberg, ele busca a imortalidade.

Achou a versão do sábio argentino Jorge Luís Borges, em seu conto “O Imortal” razoável. A consciência se imortaliza pela literatura, eternizando o espírito humano. Entretanto, a coletivização da imortalidade também não atende a indignação de Gutemberg.

Quem chegou até aqui, ficará sabendo o caminho que ele encontrou para superar essa condição humana.

Meu amigo Samarone, “somos a última geração a morrer. A imortalidade encontrou uma saída técnica. Que o diabo carregue esse corpo, ele não me pertence.”

Aliás, continuou Gutemberg, com a posse científicas do genoma e os avanços da engenharia genética, poderemos clonar quantos corpos se fizerem necessários. O homem biológico se tornará uma curiosidade arqueológica.”

Esse avanço pode ajudar, más não resolve!

“O problema é outro: como imortalizar a consciência, o Eu, a mente, a alma? Com essa memória preservada em arquivos, em toda a sua complexidade, poderemos implantá-la em um outro corpo clonado ou mesmo em uma máquina robótica. Talvez a segunda alternativa seja mais segura.”

“Eu conseguir captar a minha consciência, ela está em um arquivo, não muito grande. Se a tecnologia 5G já estivesse funcionando no Brasil, lhe mandaria pela Internet. A dificuldade atual, que logo será superada, é reimplantá-la em um corpo clonado ou em uma máquina. É o fim das demências e da morte.”

A saída para a morte será técnica, e não demora.

Eu ainda perguntei pela doença, o câncer na garganta. Ele me respondeu com desdém: “já me libertei do corpo há muito tempo. A carcaça ficara para os vermes, ou será cremada. Isso não me interessa.

Vou mandar o arquivo com a minha consciência para você. Aliás, esse arquivo já está depositado no Olimpo, nas nuvens cibernéticas. Já vivo no ciberespaço há muito tempo. Lá continuarei.

Adeus ao corpo!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

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