A ALÇA DO ALEMÃO

Por Manoel Moacir Costa Macêdo

Manoel Moacir, 23 de Janeiro, 2021 - Atualizado em 23 de Janeiro, 2021

O campus da Escola de Agronomia da Universidade Federal da Bahia -EAUFBA era no interior, em Cruz das Almas, Recôncavo baiano. Ambiente universitário com características próprias e únicas. Não existiam interações com outros cursos, como nos campi da Federação e Ondina em Salvador, capital da Bahia. Nos anos setenta, a sociedade brasileira era rural e retardatária em indicadores de desenvolvimento. Predominava uma divisão entre o rural atrasado e o urbano adiantado. Ainda existiam os latifúndios improdutivos, a “Lei do boi” e a terra era uma “reserva de valor”.

Dominava o entendimento de que os estudantes de engenharia agronômica para a sua plena formação, deveriam estar no interior e em áreas rurais, como no caso da EAUFBA. Assentada nos tabuleiros arenosos, oriunda da Imperial Escola Agrícola da Bahia, do massapê do Engenho das Lajes em São Francisco do Conde. A Universidade Federal de Viçosa - UFV em Viçosa, Minas Gerais e a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz - ESALQ em Piracicaba, São Paulo, exemplos exitosos de escolas de engenharia agronômica em cidades interioranas. A diferença é que esses estados eram e continuam como os mais desenvolvidos do País e o café e a pecuária, carregavam a economia brasileira. A industrialização nascente, também começou por eles. O Estado da Bahia, apesar da rica história, era atrasado nos indicadores de desenvolvimento, tal qual os outros estados nordestinos.

A vida universitária em Cruz das Almas para a maioria dos estudantes, estava limitada ao campus e ampliada aos limites da cidade. Exceto uma precária cantina e um campo de futebol, nada mais existia. Família distante para a época, dificuldades de transporte e restrições financeiras, dificultavam os deslocamentos além do campus. De Cruz das Almas para Salvador e daí para Rio Real, era uma aventura e consumia dois dias de viagem num percurso de menos de trezentos quilômetros. Não tinha carro e nem colegas com familiares próximos, para partilhar a companhia. Poucos possuíam automóveis.

Afinidades, atitudes, esporte e moradia, entre outros sentidos, agregavam os estudantes em “grupos e tribos”. Não fui selecionado para o alojamento no campus, apenas para o restaurante. Não tinha habilidades esportivas, nem artísticas e nem era bom de farra. Restrições para a integração. Estava centrado exclusivamente nos estudos. Mais do que conhecimento e status quo, era a sobrevivência.  No primeiro ano do curso, as disciplinas básicas eram cursadas em Salvador, nos campi da UFBA. A aproximação com Domingo Haroldo Rudolfo Conrado Reinhardt, o “alemão”, iniciou nesse período, ao saber que seus familiares residiam em Entre Rios, na direção de Rio Real. O seu pai, engenheiro agrônomo, administrava o projeto agrícola de produção de maracujá e abacaxi para a indústria “Bahia Frutos” que produzia o “Xodó da Bahia”, um néctar de frutas tropicais. Bebida nutritiva, saudável e fora do seu tempo.

As afinidades continuaram em Cruz das Almas. Com o colega sergipano Bival da Conceição, alugamos um modesto quarto na residência de uma funcionária, onde moramos por três anos, até a conclusão do curso. Haroldo, dormia numa pequena e dobrável cama de campanha. Ele foi o destacado estudante da turma. O primeiro entre todos. Distante dos demais, apesar da humildade e simplicidade. Alvo, olhos verdes, loiro, disciplinado, esportista e formação germânica. Essa proximidade foi alcunhada de “alça do alemão”. Nenhum constrangimento pelo apelido, um dos mais decentes, apesar de nossas próprias convicções. Reconhecia a sua inteligência, organização e disciplina. Compreendia as minhas limitações e distinguia a dedicação da inteligência. Haroldo possui as duas. Eu, apenas a primeira. Jamais competir. As distâncias eram enormes nas habilidades e qualificações. A amizade ultrapassou a universidade e continuou no ambiente profissional. Concursados na Empresa de Pesquisa Agropecuária da Bahia - EPABA e a seguir ingressamos na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA, onde fomos pesquisadores e dirigentes. Residimos no mesmo hotel, casamos com amigas cruzalmenses e vizinhos no mesmo bairro em Cruz das Almas. Exemplar colega e amigo. Profissional responsável e ético.

Ao final dos anos oitenta, após uma década e meia de encontros, os nossos caminhos foram apartados. Os meus desafios ultrapassaram as fronteiras do Nordeste. Passado um quarto de século e múltiplas experiências dentro e fora do País, retornei às origens. A amizade e admiração ao colega e amigo continuam, com as limitações que a distância, as vivências e o tempo impuseram.

Manoel Moacir Costa Macêdo, é engenheiro agrônomo

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