FESTA DE NATAL EM ITABAIANA

Por Jerônimo Peixoto

Jerônimo Nunes Peixoto, 23 de Dezembro, 2021 - Atualizado em 23 de Dezembro, 2021

FESTA DE NATAL EM ITABAIANA

Nas cercanias do Pov. Cajueiro, todos tinham trabalho o ano todo: no corte do mato, para coivarar e se plantar milho, tão logo chovesse; na limpa de bamburrais e na semeadura de esterco, preparando a terra, com o devido cuidado de a manter sempre fértil e disposta a nos brindar com seus preciosos frutos; na limpa da mandioca, cuidando para que a safra de farinha vingasse. E, quando novembro chegava, após as infindáveis farinhadas, o conserto de cercas, o feitio de mourões, de passadiços, de colchetes e porteiras, a lenha nos matos para se cozinhar por todo o próximo inverno... até o quintal das galinhas recebia tratamento mais carinhoso, a fim de engordar o capão do Natal.

A meninada toda ajuntava um dinheirinho, fruto de castanhas destroçadas, de crueira, de tamboeiras de batatas, de um saco de amendoim, fava, ou até mesmo de umas dúzias de ovos. Os mais saidinhos vendiam até um bacorinho ou uma borrega de cabra, para comprar a roupa do natal. O rádio, que só era ligado para as missas e a Hora Católica, para a Voz do Brasil e para o Projeto Minerva, apresentava, nos momentos de recreação, músicas natalinas, executadas nas encantadoiras harpas, cuja harmonia ainda hoje se faz sentir...

Tudo era milimetricamente preparado: as mulheres engordavam galos e perus para as amigas, na cidade; os homens se encarregavam de arrumar um bom cozinhado de inhame, de batata, ou beiju dos bons, para o regalo natalino... Quem vive na cidade adora receber essas lembrancinhas...

As estradas empoeiradas, pouco a pouco, tornavam-se prenhes de passantes, dos quais se ouviam os chiados da chinela, o estalar de tacas nos lombos dos animais, o canto melancólico do pesado carro de bois a enfeitar os ares com sua irretocável cantoria, cuja afinação dependia de querosene nos cocões e no eixo.

Dezembro era frenético, empolgante, dono de uma magia que singrava os ares campesinos, para anunciar a chegada de um tempo de paz, de solidariedade e de visitas. E os parentes do São Paulo, os famosos “paulistas” que, de quando em quando, apareciam para se mostrarem em situação vantajosa em relação aos que se quedaram nas plagas agresteiras, ficando raízes na terra da qual, com raízes, alimentavam seus sonhos e a filharada...

O dia vinte e quatro finalmente chegara... nós acordávamos mais cedo, para dar ração aos bichos, tirar o leite da vaquinha e dar conta da malhada e de “barrer” os terreiros com galhos de velande, de assa-peixe, de vassoura braba, de camarão. Os cestos de imbé serviam de apoio para se colher o “cisco” e o conduzir aos recantos mais distantes. Quem tinha uma “gaita” sobrando até caiava as velhas paredes de pau a pique, para tornar o ambiente mais festivo e acolhedor. Era natal!

Por volta das cinco e meia da tarde, a estrada da rodagem crescia em poeira, buzinas e ronco de motores: Cosminho de Zezé Mato Grosso vinha de Ribeirópolis, pela Serra do Machado, passando por Moita Bonita e por Candeias. Quando chegava ao Cajueiro, já não cabia mais ninguém na velha marinete de janelas esverdeadas... o Caminhão de Tonho de Profiro, já apinhado de gente, também passava meio sisudo, porque Zé Augusto e Eraldo queriam ver as respectivas namoradas, na cidade... Restavam ainda as caminhonetas de Zé de Mãe, Tonho de Dino de Malaquia, João de Piloto e o velho e conhecido cara chata de Fransquinho de Chiquinho.

Era impossível, ficar sem vir à cidade, para a “feirinha de natal”. As moças, com uma mistura de pó de arroz, batom e poeira, com perfume de parasiana pra ninguém botar defeito, desfilavam graciosamente. A brilhantina Glostora corria solta... Era a grande oportunidade, depois da festa de Santo Antônio, para mostrarem seus dotes e serem fisgadas por um rapaz de família decente. Era casamento na certa!

Todos os veículos ficavam estacionados na Praça Santa Cruz, hoje João Pessoa, próximo ao local do divertimento. Na feirinha, cachorro quente, jogos de goiabada, bancas de doces, barcas, ondas, cavalinhos, carrossel, e muita, muita comida regada a gasosa ou a cerveja, ainda meio quente. O serviço de alto-falante faturava, com os recados amorosos, com os anúncios das casas comerciais, com as “resenhas” que se tiravam da ex-namorada, do ex-namorado, sempre terminando com a expressão a gravação que segue...” Havia os vendedores de bolas de natal (bola de assopro) e os ambulantes de flaus e picolés... Naquelas poucas horas, a fartura invadia os corações juvenis e pueris, tornando os apetites avassaladores, nas bancas de comida, nos olhares apaixonados que se entrecruzavam no ar, anunciando que o cupido acabara de acertar mais uma flecha. As penumbras, por trás das carrocerias de Tonho do Rosário, presenciavam coisas do arco da velha... idem para a bilheteria do campo...

Por volta das onze, com os braços cheios de goiabadas, de caixa de sabonete, de panelas de alumínio e de bolas de assopro, formava-se verdadeira procissão de pessoas que se dirigiam à Matriz, onde, à meia note, dar-se-ia a Missa do Galo. Era preciso correr para tomar assento em lugar visível, sobretudo quando acompanhado de uma paquera nova, uma gazela disposta a marcar no cartório e na paróquia o selo de um amor nascente e promissor... Nessa quadra, ser religioso contava muito, pois as famílias adoravam ter um pretendente de fé.

Quando tudo acabava, os mesmos veículos se punham em movimento para devolverem os tabaréus a suas respectivas moradias. Era por volta das três da madrugada. Tudo voltava à vidinha pacata, e sem sal, de antes, mas com um gostinho de quem passeou pela festa de natal em Itabaiana. Tudo soava como a declamação de um Ode, enfeitiçando de cores, ritmos e encantos os corações dos mancebos campesinos, e das donzelas campestres, que aguardariam mais um ano para que tudo se repetisse. Era o maior adjunto de gente, na redondeza, competindo folgado com a festa do Padroeiro e com enterro de autoridade ou de gente boa do bolso.

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